quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

ESPECIAÇÃO NA ANTROPOGEOGRAFIA DE FREDERICO RATZEL



ESPECIAÇÃO NA ANTROPOGEOGRAFIA
DE FREDERICO RATZEL1



Nilson Cortez Crocia de BARROS2

RESUMO

O trabalho discute as influências da biologia e da antropologia no desenvolvimento da proposta da antropogeografia de Frederico Ratzel. Atenção central é dedicada às idéias de mecanismos de especiação ou diferenciação (biologia) e progresso/mudança cultural (antropologia/história). Influências da filosofia holística e histórica alemã na antropogeografia de Ratzel são indicadas.

Palavras-chave: Ratzel, antropogeografia, história da geografia.


ABSTRACT

The work discusses the role exerted by biology and anthropology upon the development of Ratzel’s anthropogeography. Particular attention is paid at the ideas of mechanism of speciation (biology) and cultural evolution (anthropology/history). Influences from the historical and holistic German philosophy upon Ratzel’s proposal are also indicated.

Key words: Ratzel, anthropogeography, history of geography.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta aspectos do debate histórico-naturalista em torno do fenômeno da especiação ou diferenciação. De forma concisa, este debate revela que o método comparativo para ordenar tipológica ou classificatoriamente as diferenças estava assentado na prática científica. O problema que restava – e que foi enfrentado por Darwin – era o de identificar qual o motor para estas diferenciações ou especiações. Ratzel construirá sua antropogeografia a partir destas discussões. Examinar esta experiência decisiva para a construção da geografia moderna é o objetivo do presente trabalho.
Ratzel inspirou-se num contexto de idéias ousadas e originais (biologia evolucionista/ecologia) para propor a investigação das influências do meio sobre as experiências de evolução cultural/histórica dos povos, sobre as possibilidades culturais humanas e suas diferenciações no espaço. Esta proposta significou uma interpretação secular das circunstâncias do progresso que superava a visão teológica – tão cara a Carl Ritter – da Terra perfeita para o Homem, ou da Terra na perspectiva da Providência. Como o afirma Gomes, a Providência foi substituída “... por uma causalidade oriunda da própria natureza...” (GOMES, 2000).

1 Texto resumido do artigo integral publicado com o título “Especiação, Região, Progresso e política cultural na antropogeografia de Frederico Ratzel”. In: Geografia. v. 31, n. 3, p. 455-468. Rio Claro, AGETEO/UNESP.
2 Universidade Federal de Pernambuco. Professor de Geografia. E-mail: nccrocia@ufpe.br.

Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 212

O papel de Moritz Wagner na criação científica de Ratzel está longe de ter se resumido à influência da mão amiga que lhe proporcionou o primeiro emprego na carreira docente (1875). Wagner estava envolvido intensamente e de maneira muito polêmica nas discussões relativas aos mecanismos de especiação, isto é, os mecanismos mediante os quais operava-se a diferenciação das espécies. Acreditava ele dar mais importância ao mecanismo isolamento após uma espécie migrar para um novo habitat como mecanismo de especiação – apesar de Charles Darwin lhe ter afirmado expressamente o contrário em carta que lhe enviou!!! – que o lendário pesquisador das Ilhas Galápagos (SULLOWAY, 1979).
O conhecimento destas discussões, que Ratzel como zoologista de formação e por ser pessoa muito próxima a Wagner estava perfeitamente a par, levaram-no a amplificar e transpor o conceito da migração zoológica para “o de difusão e diferenciação de culturas e de traços culturais” (SAUER, 1971), efetivamente sua contribuição para erigir a geografia como campo disciplinar da interpretação da diferenciação dos padrões e da dinâmica cultural das áreas ou regiões ou paisagens.


2. MUDANÇA (TEMPO), ECOLOGIA (ATIVIDADE DO MEIO) E COMPETIÇÃO (AUTOMOTOR)

Especificamente para a edificação da Geografia moderna e, portanto, para o pensamento de Ratzel e dos geógrafos que o sucederam, estas idéias (tempo, meio ativo e automotor) foram identificadas analiticamente por Stoddart (1966) como três das influências darwinianas sobre a geografia: 10) a idéia de mudança através do tempo ou evolução e desenvolvimento, isto é, a idéia de que as formas transitam no tempo das formas mais simples para as mais complexas; 20) a idéia da combinação ou da associação ou da estrutura organizacional de um conjunto vivo orgânico do qual o homem era parte (ecologia, meio compósito); e 30) a idéia da seleção natural. Estas três idéias foram empregadas por Ratzel para dar conta da diversificação das paisagens culturais e das sociedades.

Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 213

2.1. Tempo e evolução


As influências da idéia de mudança através do tempo foram decisivas em Ratzel, entraram na geografia e se difundiram pelo mundo acadêmico. A proposta do ciclo de erosão do norte-americano W. Morris Davis (1850-1933) – adotada com entusiasmo na França segundo Meynier (1969) –, ou, mais amplamente, dos modelos muito gerais da evolução orgânica da paisagem cultural ou da região na geografia clássica regional são exemplos da influência do evolucionismo darwiniano. A influência de Davis nos estudos geomorfológicos realizados na própria Alemanha, onde esteve em programa de intercâmbio (1908-1909) sob o suporte de Penck, foi extraordinária. Esta influência foi auxiliada pela tradução dos seus textos para o alemão por jovens geógrafos encantados pelo holismo evolutivo e coerência lógico-metafísica – parece uma imaginação especialmente apreciada pelos jovens universitários – da sua fisiografia (VALKENBURGH, 1967).

2.2. O meio compósito

A idéia da associação entre os componentes identificados de um meio ou ecologia – princípio metodológico de investigação ao qual Ernest Haeckel oferecerá fundamentação – tornar-se-á uma “idéia tenaz nas pesquisas geográficas” (HOLT-JENSEN, 1988) de Ratzel, e na edificação da geografia moderna. Não custa lembrar a posição central da visão ecológica humana na geografia de Cholley com a idéia do estudo da combinação (CHOLLEY, 1942) entre os geofatores para o entendimento da totalidade regional. Frederico Ratzel, quando ele vê o conjunto do estado como um organismo atrelado a terra, evidencia a influência recebida de Darwin e Haeckel, uma influência expressa também no conceito lablachiano de meio compósito e orgânico regional (LA BLACHE, 1954).
Guy Mércier (1995) demonstra a convergência conceptual quanto à compreensão de região e estado entre La Blache e Ratzel. E a visão orgânica da região apresenta-se em forma cristalina na ecologia humana de Barrows (1923) e Whitlesey (1929), e estende-se até à idéia de sistemas como observaram Stoddart (1965), Andrade (1982), Monteiro (2000), Santos (2002), Bezzi (2004) e outros. Mas pode-se também acreditar que o holismo de Frederico Ratzel possui ramificações mais amplas e não adveio apenas da emergente ecologia de Haeckel, mas sim de ramificações filosóficas, apesar de Ratzel ter sido aluno de Ernest Haeckel – o grande divulgador do pensamento de Darwin (LIVINGSTONE, 1992) – na Universidade de Jena em 1869, e tendo dele se tornado um admirador.

Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 214

Holt-Jensen argumenta que embora seja a idéia de associação uma analogia de clara influência biológica, ela nos remete às raízes da filosofia idealista alemã, tendo Carl Ritter e Humboldt empregado esta idéia de todo, idéia presente também em Hegel e Marx. Talvez sem os exageros do organicismo de Carl Ritter, a idéia do todo ou totalidade como aspiração de resultado na representação científica permanecerá. A abordagem ecológica, isto é, a identificação e associação dos elementos que compõem o meio tornar-se-á o exercício metodológico da geografia moderna através dos estudos programados para reconstruírem a síntese regional. Daí gerava-se o produto monografia regional, esta definida como uma “impressão total” (DINIZ, 1984) da paisagem ou região, ou, na expressão de Koelsch, uma “real-world holistic region” (KOELSCH, 2001), que depois veio a ser considerada muito obscura na perspectiva do neopositivismo. Este é um dos significados do conceito de região, ou zona, ou área ou paisagem.
Metodológica e tecnicamente, a noção de gênero de vida que foi sistematicamente apresentada por Sorre (1984) ofereceu o mecanismo de esclarecimento da associação entre os elementos do meio e o homem, e da sua adaptabilidade, idéia esta tão cara a Ratzel e aos estudos de ecologia cultural contemporâneos, como o de Morán (1990). Pode-se pensar que, na análise das sociedades tradicionais, a eficácia operacional do conceito de gênero ou modo de vida contrariaria a suposta excessiva obscuridade apontada pelos neopositivistas para uma reconstrução mais integral do conteúdo regional ou das paisagens.

2.3. O automotor nas diferenças culturais

A idéia da luta e da sobrevivência das espécies remetia para o campo secular – passível das observações, que incluía registros e coletas de materiais – a busca das explicações para a dinâmica diferenciadora da história natural e cultural. Fomes, mortes, guerras, populações ultrapassando os limites da oferta de recursos, tudo isto lançava sombras pouco edificantes sobre o Éden das origens humanas e dúvidas sobre a existência de uma condução teleológica dos domínios da natureza e da sociedade humana. Darwin, na realidade, foi decisivamente influenciado pela leitura da obra de Malthus (1970) sobre os limites do crescimento populacional, limites que o homem teria ele mesmo que racionalmente reconhecer para viver melhor.
Fosse dum todo regional ou nacional – horizontal – ou das suas partes (fatores, agentes, verticalidades), a dinâmica seria interpretada a partir das evidências materiais observadas e colhidas na própria natureza e na cultura (naturalismo, positivismo), e não mais através das causas finais. A categoria causa erode-se no seu aspecto finalístico (teleológico) e se fortalece como ferramenta analítica na análise da combinação ou influência entre fatores. Regularidades nas relações causais – relações vistas normalmente de forma linear – entre o meio físico, biológico e humano são procuradas, dando campo às discussões sobre determinismo físico e possibilismo cultural. É neste particular que a capacidade de adaptação – revelada em um complexo de técnicas e artefatos, crenças e costumes – adquirem significado. Difusões de técnicas, crenças e costumes facilitam conhecimentos culturais adaptativos ao meio e propiciam progresso às populações humanas.

Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 215


3. O QUE, PARA FREDERICO RATZEL, ESPECIAVA OU DIFERENCIAVA UMA ÁREA CULTURAL?


3.1. Antropogeografia como externalismo

Para o evolucionismo, o papel da pesquisa etnográfica tornou-se crucial, uma vez que através dos artefatos e registro dos costumes é que se estabelecia a posição (o padrão) de cada grupo social vivo ou extinto na classificação evolutiva geral da espécie humana, uma longa escada no ápice da qual estaria a civilização européia urbana-industrial. A pergunta era: de que maneira os artefatos e costumes culturais – os artefatos de trabalho, as armas da guerra e da caça, as habitações, os utensílios em geral e os materiais empregados na sua confecção, os padrões alimentares, as crenças, os comportamentos migratórios, políticos, os sonhos, etc. – expressavam os meios geográficos de onde haviam sido coletados ou onde haviam sido observados?
De que maneira estes artefatos também expressavam, por outro lado, as chances dos contactos interculturais? Ou, dizendo-o de outro modo, expressavam as difusões nos limites do alcance (range) de determinada zona cultural? O interesse antropológico se espalhou pelos estudos geográficos na Alemanha, e Ratzel foi um exemplo de destaque ao propor uma via geográfica ou terrestre ou territorial para as interpretações das diferenciações na evolução e nos padrões culturais (antropogeografia) dos povos. A sua contribuição se deu com a idéia das difusões geográficas como mecanismo das diferenciações ou variabilidades dos padrões culturais. As diferenciações de área do ponto de vista dos padrões culturais não seriam propriamente produzidas pelo determinismo rude das condições geográficas in situ sobre a cultura. Para Ratzel, o princípio da difusão possuía ascendência sobre o das invenções paralelas na inovação e mudança culturais (SAUER, 1952). Isto é, meios geográficos iguais não produziriam necessariamente os mesmos padrões culturais.

Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 216

Ratzel, como outros dos seus contemporâneos, acreditava que a capacidade de invenção humana era muito limitada, e por isto a evolução dos grupos sociais advinha realmente das difusões pelas zonas ou regiões culturais das invenções que teriam se realizado a partir de uns poucos centros culturais difusores (MORÁN, 1990). O meio biofísico exercia sim influência (rios, oceanos, montanhas, florestas, etc.), mas na medida funcional em que favorecia ou dificultava as possibilidades dos contactos difusores dos traços culturais entre as populações distribuídas no espaço. A crítica da antropogeografia às invenções paralelas em sítios diferentes corroia também a idéia simples da evolução por sucessão dos estágios de cultura (SAUER, 1952).
Os internalistas. As teorias ou generalizações interpretativas acerca das diferenças registradas nos padrões culturais das populações no mundo ofereciam um espectro muito variado e ousado. Gobineau, nos meados do século 19, considerava a raça - agente biológico interno – o determinante das diferenciações culturais, de maneira que não obstante em um meio ambiente muito favorável, a determinação interna (racial) prevaleceria nas possibilidades evolutivas culturais de um grupo populacional. Para ele, a maioria das raças não ascenderia ao estágio de civilização. Chamberlain, no final do século 19, definia o estoque racial teutônico como o proeminente, e Lapouge, ao mesmo tempo, propunha uma escala racial das populações européias no ápice da qual – com o seu empreendedorismo e individualismo – estaria o nórdico protestante dolicocéfalo; em seguida viria o tipo intermediário (o católico alpino de crânio arredondado, obediente ao governo e pouco empreendedor), que por sua vez era ainda assim superior ao tipo mais baixo e de pele escura característico do ambiente mediterrâneo (DICKINSON, 1969).
Migração, adaptação e progresso. Definem-se então, na interpretação das possibilidades de mudança e progresso social, duas interpretações opostas: internalistas (biológicos), de um lado; e externalistas (ambientalistas) do outro. Na sua Antropogeografia, Ratzel critica duramente a teoria do gene de Gobineau para explicar a decadência de povos localizados na plena fartura provida por excelente meio natural (Ratzel: coletânea...p. 45). Para Ratzel, o foco das explicações das variações nos padrões culturais era o espaço, a terra, o meio, o teatro da história, e particularmente os empréstimos de características culturais mediante as difusões/migrações neste espaço, não o interior biológico do homem (gene). Conforme observa Livingstone, a antropogeografia de Ratzel estava distante do arianismo de Gobineau ou do purismo camponês racial de Lapouge (LIVINGSTONE, 1992).

Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 217

Império e civilização poderiam se propagar, segundo Ratzel. As circunstâncias mais importantes para a fixação do caráter (padrão) dos povos e das suas possiblidades culturais evolutivas – o que era uma questão essencialmente eurocêntrica ou projetada pelo sítio cultural do universo europeu – eram o meio geográfico e a adaptabilidade demonstrada pelo estoque da população. Estas experiências adaptativas poderiam ser adquiridas e transmitidas (aprendidas) no curso da evolução histórica, e não seriam geneticamente determinadas para sempre (raça, gene) como propunha Gobineau.
Através de problemas e críticas na biologia e na teoria da evolução Ratzel posicionou a Geografia no campo das discussões sobre a dinâmica dos padrões culturais e das sociedades no contexto da expansão demográfica, econômica, política e cultural européia pelo mundo. Difícil não reconhecer a natureza otimista da sua visão histórica. A geografia trabalharia suas interpretações a partir dos fatores externos desta dinâmica (meio geográfico e difusões) (Antropogeografia, in Ratzel: coletânea...p. 42, 54 e outras; LIVINGSTONE, 1992) para entender as variações culturais e demográficas (regiões culturais como tipos de especiações), e esta proposta significava uma via alternativa às explicações raciais/genéticas.
Um novo meio, a adaptabilidade, as migrações e a urbanização, esta como o cume da civilização, ocuparam posição central nas reflexões de Ratzel; os prenúncios disto estão registrados no que escreveu da sua viagem aos Estados Unidos (RATZEL, 1988). Impressionou-o a facilidade com que cada inovação técnica na agricultura americana chegava – difundia-se – até a mais distante e aparentemente isolada das propriedades rurais, em função da eficiente infra-estrutura de comunicações que facilitava a adaptação dos imigrantes europeus a um novo e vasto mundo. Impressionou-o também o papel exercido por Nova York como artefato funcional metropolitano e difusor: “... cada nova estrada de ferro... linha de vapor que se inaugura neste país fortalece a posição da cidade como metrópole desta porção do mundo... Até onde é possível se imaginar o futuro nesta terra, o que se vê é somente progresso e prosperidade” (RATZEL, 1988). Na Flórida, onde também esteve, viu positivamente a expansiva criação dos resorts turísticos para as populações do Norte frio do país, que ali chegavam por eficientes linhas de navios ou ferrovia.
Malinowski considerava Ratzel como um dos pioneiros da teoria das difusões e influenciador do difusionismo de Franz Boas (1858-1942) (MALINOWSKI, 1962 citado por MORAES, 1990), Boas um antropólogo claramente cultural e anti-determinista, e que expressa suas opiniões – após pesquisas com os Esquimós – sobre a Geografia no célebre

Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 218

artigo intitulado The Study of Geography (BOAS, 1996). O deslocamento de Boas, do lado mais determinista da antropogeografia para o lado mais cultural e difusionista, acontece depois dos seus estudos sobre os Esquimós, quando passa a doutrinar que o ambiente não é determinante, mas sim um fator que o homem se utiliza segundo sua herança cultural (MORÁN, 1990). Neste sentido, e por mais estranho que possa parecer, e realmente é, o homem cria o seu meio.


4. CONCLUSÕES


A habilidade comunicativa de Ratzel reuniu os campos discursivos de duas emergentes disciplinas sistemáticas: a biologia evolucionista e a antropologia humana. A questão, na biologia, era oferecer uma explanação para o fato de as espécies se diferenciarem, surgindo daí novos tipos. Na antropologia, a discussão girava também em torno das explicações para as diferenças culturais constatadas entre os povos e lugares, não obstante uma origem humana única. Frederico Ratzel fez um encontro entre os mecanismos de especiação ou diferenciação externos – migrações/difusões, meio geográfico – e o reconhecimento tipológico areal (zonas ou regiões culturais) das diferenças nos padrões culturais dos povos pelo mundo.
Se a geografia encontrava-se ameaçada em seu prestígio pelo desenvolvimento autônomo das disciplinas sistemáticas que haviam estado sob sua abrangência – Humboldt é reconhecido como o último dos sábios enciclopédicos –, Ratzel na sua proposta drena do enciclopedismo que era justamente a desvantagem da Geografia o recurso do encontro dos discursos multidisciplinares. Desta forma a geografia encontra no estudo integrado das relações cultura/meio ou homem/meio, isto é, na ecologia humana ou na antropologia geografizada, sua legitimação no ambiente acadêmico. Foi certamente o holismo característico da denominada filosofia universitária alemã o formato mais geral que levou Ratzel a fundir zoologia e antropologia. Esta episteme fincou raízes na disciplina no começo do século vinte.
Charles Darwin, Moritz Wagner, Franz Boas, Frederico Ratzel e outros, todos cooperaram no salto para além dos limites dos outputs tipológicos/taxonômicos que o método positivo-comparativo poderia oferecer. A proposta na perspectiva têmporo-espacial de entronizar as difusões geográficas – processo de base no mecanismo dos empréstimos culturais – como o fator principal das diferenciações dos padrões das paisagens culturais é um esforço de interpretação inteligente e criativo que representa uma reação teórica ao imenso volume dos materiais culturais observados, colhidos e classificados até então. Um corolário conceitual da idéia das difusões é o conceito de centro/periferia que acompanha a geografia desde Carl Ritter, encontra clara definição na Geografia antropológica de Ratzel e assume papel de destaque na new geography.

Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 219


5. REFERÊNCIAS

ANDRADE, M.C. de. 1982. O pensamento geográfico e a realidade brasileira. In: SANTOS, M. (Ed) Novos rumos da geografia brasileira. São Paulo: Hucitec. pp. 181-201.
BARROWS, H.H. 1923. Geography as Human Ecology. Annals of The Association of American Geographers. v. 13, n.1, p.1-14.
BEZZI, M. 2004. Região: uma (Re)visão historiográfica – da Gênese aos novos Paradigmas . Santa Maria: Editora da U. Federal de S. Maria.
BOAS, F. 1996. The Study of Geography. In: AGNEW, L.; LIVINGSTONE, D.; ROGERS, A. (Ed). Human Geography: an essential anthology. London: Blackwell, pp. 173-180 (originalmente publicado em 1887).
CHOLLEY, A. 1942. Guide de l’étudiant en géographie. Paris: PUF.
DICKINSON, R. 1969. The Makers of Modern Geography. London: Routledge and Kegan Paul.
DINIZ, A.F. 1984. Geografia da Agricultura. São Paulo: Difel.
DUNBAR, G. (Ed.) 2001. Geography: discipline, profession and subject since 1870 – an international survey. The Netherlands: Kluver Academic Publishers.
GOMES, P. 2000. Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand.
HOLT-JENSEN, A. 1988. Geography: history and concepts. London: Paul Chapman. (Tradução do alemão por B. Fullerton).
Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 220
KOELSCH, W. 2001. Academic Geography, American Style: An Institutional Perspective. In: DUNBAR, G. (Ed.) Geography: discipline, profession and subject since 1870. pp. 245-279.
LA BLACHE, P. 1954. Significado e objeto da Geografia Humana. In: ____ Princípios de Geografia Humana. Lisboa: Cosmos. pp. 27-45.
LIVINGSTONE, D. 1992. The Geographical Tradition. London: Blackwell.
MALINOWSKI, B. 1962. Uma teoria científica da cultura. Rio de Janeiro: Zahar.
MALTHUS, T. 1970. Primer ensayo sobre la población. Madrid: Alianza. (título original: An Essay on the Principle of Population, as it affects the future improvement of Society, with remark on the speculations of Mr. Godwin, Mr. Condorcet, and other writers, 1798).
MÉRCIER, G. 1995. La région et l´´Etat selon Friedrich Ratzel e Paul Vidal de la Blache. Annales de Géographie. v. 583, p. 211-235.
MEYNIER, A. Histoire de la pensée géographique en France. Paris: Presses Universitaires de France, 1969.
MONTEIRO, C.A. 2000. Geossistemas: a história de uma procura. São Paulo: Contexto.
MORAES, A. 1990. Introdução. In: Ratzel: coletânea... op. cit. pp. 5-30.
MORÁN, E. 1990. Ecologia humana das populações da Amazônia. Petrópolis: Vozes.
RATZEL, F. 1988. Sketches of Urban and Cultural Life in North America. New Brunswick: Rutgers University Press. (Tradução para o inglês por S. Stehlin e originalmente publicado em 1876 na Alemanha).
RATZEL, F. 1990. Antropogeografia. In: RATZEL: coletânea... op. cit. pp. 32-107.
Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 221
RATZEL: coletânea. 1990. In: MORAES (Org.). São Paulo: Ática.
SANTOS, M. 2002. Por uma Geografia Nova. São Paulo: Edusp.
SAUER, C. 1952. Agricultural Origins and Dispersals. Massachusetts: MIT.
SAUER, C. 1971. The formative years of Ratzel in the United States. Annals of the Association of American Geographers. v. 61, n. 2, p. 245-254.
SORRE, M. 1984. A noção de gênero de vida e sua evolução. In: Max Sorre. (Org.) São Paulo: Ática. p. 99-123. (Originalmente publicado em 1952).
STODDART, D. 1965. Geography and the Ecological Approach: the ecosystem as a geographic principle and method. Geography. v. 50, p. 242-251.
STODDART, D. 1966. Darwin´s impact on Geography. Annals of the Association of American Geographers. v. 56, p. 683-689.
SULLOWAY, F.J. 1979. Geographic isolation in Darwin’s thinking. Studies in The History of Biology. v. 3, p. 23-65.
TAYLOR, G. (Ed.). 1967. Geography in the Twentieth Century: a study of growth, fields, techniques, aims and trends. London: Methuen.
VALKENBURG, S. 1967. The German School of Geography. In: TAYLOR, G. (Ed.). Geography in the Twentieth Century… p. 91-115. op. cit.
WHITTLESEY, D. 1929. Sequent Occupance. Annals of the Association of American Geographers. v. 19, p. 162-5.
Revista de Geografia. Recife: UFPE – DCG/NAPA, v. 24, no 1, jan/abr. 2007 222

Nenhum comentário:

Postar um comentário