sábado, 20 de fevereiro de 2010

A Influência de Maximilien Sorre e Vidal de La Blache na Geografia Médica de Josué de Castro




SCIENTIA PLENA VOL. 5, NUM. 6 2009
www.scientiaplena.org.br

065401-1

A Influência de Maximilien Sorre e Vidal de La Blache na
Geografia Médica de Josué de Castro




R. G. Vieites¹ & I. A. Freitas2



1Núcleo de História Ambiental e Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,20550-013, Rio de Janeiro
RJ, Brasil

2Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 20550-013, Rio de Janeiro
RJ, Brasil

renatoguedesvieites@hotmail.com, freitasines@hotmail.com

(Recebido em 27 de abril de 2009; aceito em 26 de junho de 2009)


Uma análise histórica do pensamento geográfico demonstra que a associação entre a Geografia e a Medicina ocorre desde tempos remotos, tendo como pano de fundo a interface entre elementos como saúde, meio ambiente e espaço. Este estudo procurou demonstrar as influências que os geógrafos Vidal de La Blache e Maximilien Sorre exerceram sobre a obra de Josué de Castro (médico e “geógrafo” brasileiro). Estas influências podem ser constatadas desde as primeiras obras de Castro relacionadas à espacialização da saúde, ainda muito impregnadas pelo possibilismo vidalino e pela utilização de conceitos próprios desta escola geográfica, até o lançamento dos livros Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, quando a visão ecológica de Sorre e o contato com outras ciências humanas ampliaram o horizonte crítico das obras castrinas.

Palavras-chave: possibilismo, Vidal de La Blache, Maximilien Sorre, Geografia Médica , Josué de Castro

A historical analysis of the geographical thought shows that the association between Geography and Medicine occurs since ancient times having as background the interface among subjects as health, environment and space. This essay is an attempt to demonstrate the influences which geographers Vidal de la Blanche and Maximilien Sorre carried out on the Josué de Castro’s (brasilian physician and “geographer”) work. These influences can be verified since the initial Castro’s works concerned with the spacialization of health, works that are still very impregnated with the Vidal’s possibilism and with this geographic school own concepts, until the edition of the books The geography of Hunger and the Geopolitics of Hunger, in which Sorre’s ecological perspective and contact with other human sciences amplify the critical horizon of Castro’s works.

Keywords: possibilism, Vidal de La Blache, Maximilien Sorre , Medical Geography, Josué de Castro


1. INTRODUÇÃO

Este artigo é uma adaptação da dissertação A influência de Maximilien Sorre e Vidal de La
Blache na Geografia Médica de Josué de Castro, defendida pelo autor e aprovada em março de
2008, sob a orientação da Profª Drª Inês Aguiar de Freitas e teve, como objetivo principal, no
âmbito da Geografia, demonstrar como as formulações de Vidal de La Blache e Maximilien
Sorre (dois importantes nomes da Escola Francesa de Geografia) influenciaram o pensamento
de Josué de Castro, uma das grandes personalidades brasileiras do século XX [1].
Tentaremos demonstrar ainda a perspectiva inovadora de Josué de Castro que, percebendo as limitações teóricas do modelo possibilista vidalino, buscou auxílio em outras ciências humanas e na Ecologia Humana de Max. Sorre (como ele assinava suas obras) para o prosseguimento de suas formulações, que dariam como frutos suas obras mais conhecidas - Geografia da Fome e Geopolítica da Fome. Estudaremos também de que forma as questões sociais (em especial, o problema da fome) foram abordadas pelo autor de forma crítica, com a utilização do método geográfico (que abrange princípios como os de extensão, coordenação, causalidade e correlação).
A multiplicidade temática contemplada por Josué de Castro associada ao seu pioneirismo e às modalidades de abordagem por ele utilizadas, quase sempre renovadas, conferiu-lhe distinções como autor plural e matriz não só de uma “Geografia Médica”, mas também da análise e compreensão de alguns aspectos que ‘simbolizam’ a sua contemporaneidade, perceptível ainda
hoje [2].


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Entretanto, para uma análise da obra de Castro, um autor não-geógrafo, mas que iniciou seus trabalhos geográficos, em especial sobre a Geografia Médica, antes da existência “oficial” deste ramo da geografia no Brasil, faz-se necessário um resgate histórico do desenvolvimento da própria Geografia lato sensu, isto é, uma reflexão do significado da ciência geográfica e, principalmente, da Geografia Tradicional, da qual o autor em questão recebeu fortes influências.
A Geografia possui muitas definições, como, por exemplo, o estudo da superfície terrestre, estudo da paisagem, estudo da individualidade dos lugares, estudo dos espaços, estudo das relações entre o homem e o meio, ou ainda, o estudo da sociedade e suas relações com a natureza[3 e 4]. Entre os diversos ramos desta ciência, encontra-se a Geografia Médica, objeto deste trabalho.
Trata-se de um tema que tem sido pouco trabalhado pelos geógrafos e, nos últimos tempos, biólogos, biomédicos, parasitologistas e demais profissionais de saúde pública vêm se aproximando das categorias espaciais de forma a acrescentar a seu arcabouço teórico e analítico novas variáveis, categorias, métodos e técnicas. Assim, faz-se necessário, por parte dos geógrafos, o ressurgimento do interesse em estudos deste ramo tão importante para a análise geográfica da saúde e da doença.
A primeira parte deste trabalho discutirá a contribuição dos dois grandes expoentes da Escola Francesa da Geografia: Vidal de La Blache e Maximilien Sorre, sobre como estes mestres
influenciaram o conteúdo geográfico presente nas primeiras obras de Josué de Castro. Aqui serão analisados como o possibilismo de La Blache e a ecologia humana de Sorre serviram como fios condutores para a obra castrina .
Na segunda parte, será estudada a geografia de Josué de Castro propriamente dita, analisando sucintamente sua vida e um pouco da trajetória profissional deste autor, cujas obras então não se relacionavam diretamente à Geografia. Para fins deste artigo, restringimo-nos ao estudo da obra Alimentação brasileira à luz da geografia humana (1937), que serviu de base para o consagrado Geografia da Fome.
A terceira parte abordará as análises das obras “geográficas” de Josué de Castro: Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1951). Iremos mostrar como em Geografia da Fome, Josué de Castro realizou um estudo crítico de Geografia Médica, destacando a questão da fome e relacionando-a a uma série de doenças endêmicas ligadas a um déficit de nutrientes advindos de uma alimentação inadequada em termos de quantidade e/ou qualidade. Déficit este relacionado às condições naturais e sociais e aos hábitos culturais de uma população.
Demonstraremos ainda que em Geopolítica da Fome, Josué de Castro trata do fenômeno da fome no mundo, dividindo sua análise nos seguintes continentes: América, Ásia, África e Europa, mudando sua escala de trabalho em relação à obra anterior, passando a analisar o problema no mundo inteiro.
Finalmente, na quarta parte deste ensaio, procuraremos demonstrar de que forma o possibilismo de Vidal de La Blache e a ecologia humana de Maximilien Sorre influenciaram as obras de Josué de Castro, sobretudo quando o último valorizava o método geográfico. Mostraremos como os conceitos principais daqueles autores, - gênero de vida, habitat, ecúmen
- alicerçaram o possibilismo e como este foi utilizado na primeira fase da obra de Josué de
Castro.

1.1. Dois grandes expoentes da Escola Francesa de Geografia: Vidal de La Blache e Max. Sorre.


a) Vidal de La Blache e o Possibilismo

Podemos dizer que, na Geografia, Paul Vidal de La Blache (1845-1918) foi o principal representante da Escola Francesa de Geografia e defendia que o objetivo da ciência geográfica era o de observar as relações recíprocas entre o homem e o meio natural, estabelecendo comparações e classificações. La Blache é considerado o maior expoente do possibilismo, que sustenta a influência do meio sobre o homem, e considerando a Geografia como ciência natural.



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As idéias de deste autor, no entanto, combatiam a evolução linear pregada pelos positivistas e evolucionistas do século XIX [3 e 4].
É necessária a compreensão de que a geografia de La Blache surgiu em uma época em que a geografia alemã (representada por F. Ratzel) legitimava o expansionismo prussiano, com vistas ao futuro Estado alemão. Era necessário, portanto, uma resposta por parte da França, com vistas
a neutralizar tal ideologia. Como fundador deste empreendimento, surge Vidal de La Blache que desenvolve uma corrente dentro da geografia tradicional, a escola possibilista.
A fundação da Escola Francesa de geografia deve ser entendida, assim, dentro do contexto da Terceira República, de oposição ao determinismo geográfico alemão e das características particulares do desenvolvimento histórico francês. É importante ressaltar que tanto a escola alemã de geografia quanto a francesa vincularam-se ao discurso dos interesses das classes dominantes de seus países, por meio do discurso científico [3].
A idéia de meio para La Blache possui também a característica sintética e circular. É sintética, pois compreende a sinergia entre as forças de origens diversas que agem concomitantemente, dando-lhe uma forma e é circular, porquanto esta forma que se constitui numa totalidade, é a união de diversos elementos correlacionados, ou seja, causa e efeito uns dos outros [4].
Apesar de todos os méritos da proposta vidalina, ela também servia como ação legitimadora da ação imperialista francesa, visto que os gêneros de vida propostos por La Blache seriam uma "oportunidade" para sociedades mais "atrasadas" aprenderem com as mais "adiantadas" (no caso, a França) e assim, atingirem a prosperidade [3 e 4].
Além disso, o possibilismo, com seu caráter fortemente regionalizante, deteve-se no estudo
monográfico dos gêneros de vida, o que acarretava em uma visão estática da sociedade e no
distanciamento das questões ligadas à divisão entre classes sociais [3].


b) Maximilien Sorre e a Ecologia Humana

O geógrafo francês Max. Sorre (1880-1962) foi seguidor da Escola Possibilista da Geografia. Formou-se professor e lecionou até a Primeira Guerra Mundial. Trabalhou no sentido de integrar os estudos de Geografia Física aos de Geografia Humana. Este autor, manteve-se dentro da proposta vidalina, aperfeiçoando-a. Em boa parte de seu trabalho, Max Sorre privilegiou o enfoque da Biogeografia e possui como principais obras: Os Fundamentos da Geografia Humana (3 vols., 1943-1952) e O Homem na Terra (1962), que dão continuidade às reflexões de Vidal de La Blache [5].
Para Sorre, que escreveu suas principais obras na década de 1940, a ciência geográfica deveria estudar as formas pelas quais os homens organizam seu meio, considerando o espaço como a “morada do homem”. O principal conceito desenvolvido por este geógrafo foi o de habitat, que diz respeito a uma área do planeta habitada por uma comunidade que a organiza.
Trata-se assim, de uma construção humana, uma humanização do meio que expressa as múltiplas relações entre o homem e o ambiente que o envolve [3 e 4].
Com base neste apanhado sobre a obra de Max. Sorre, pode-se constatar que a geografia produzida por este autor é a Ecologia do homem, ou seja, trata-se da relação dos grupos humanos com o meio em que vivem, em um processo de contínua transformação deste meio pelo homem. Por conseguinte, as condições do meio geográfico, resultante da ação dos homens, seriam diferentes das do meio natural original [3].
Para o autor, a atividade humana se desenvolvia inserida em três grandes planos: o físico, o
biológico e o social, que, enquanto condicionantes e condicionados pelo homem, eram pertinentes à ciência geográfica. A pesquisa sobre estes planos tinha que ser permanente, porquanto a relação entre eles ser dinâmica. E o fato geográfico também o é [6].
Em sua principal obra (aliás, também considerada uma das maiores obras teóricas do pensamento geográfico), Os Fundamentos da Geografia Humana, Sorre demonstra o conteúdo de sua proposta. Tal obra possui três volumes, a saber: o primeiro, cujo título é Os fundamentos biológicos, foi lançado em 1943, e analisa o fator clima e a sua relação com os elementos orgânicos, bem como os limites que este fator impõe ao homem (complexos climáticos), a



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relação entre o meio e a alimentação e o meio e as doenças, os complexos patogênicos (idéias muito utilizadas por Josué de Castro). Enfim, enfatiza a idéia de associação entre o homem e o
meio[7].
O segundo volume, datado de 1948, aborda As técnicas da vida social e as técnicas de produção e de transformação das matérias-primas. Nele, Sorre analisa os modelos de agrupamentos humanos, as áreas de elevada ou baixa densidade populacional, bem como as formas de energia usadas pelas diferentes sociedades e a questão do domínio do espaço.
Também são aqui estudadas as modalidades de coleta, agricultura, pecuária, mineração e
indústria, relacionando-as às condições naturais e às necessidades humanas. No terceiro e último volume, intitulado O habitat (1952), Sorre relaciona a organização do habitat com os gêneros de vida, estuda os tipos de habitat, ou seja, o urbano e o rural, desde as suas formas mais primitivas (os grupos nômades) até as mais complexas (a metrópole industrial). Para Sorre, aos olhos de um geógrafo, a cidade não é um acidente da paisagem, pois as suas características são a expressão concreta e durável do gênero de vida urbano, dominado pela atividade da circulação, contrário aos dos gêneros de vida rurais [7].
Em outras palavras, Max. Sorre quis dizer que a circulação, o movimento, é a característica
que imprime não apenas os traços e traçados essenciais das cidades modernas, mas é a característica que dá coesão ao gênero de vida urbano, a essa maneira de viver que nos faz se identificar, em certa medida, com qualquer outra pessoa que também more numa cidade. A obra de Max. Sorre foi, sem dúvida, a segunda mais importante formulação da geografia francesa, pois tratou-se de uma reciclagem da geografia humana proposta por Vidal de La Blache, proporcionando uma retomada e um enriquecimento das teorias vidalinas – no sentido de proporcionar um conhecimento geográfico global e unitário -, mantendo porém, fidelidade à essência possibilista [3].
Não se pode também esquecer, como afirma Milton Santos, que Max. Sorre foi o geógrafo pioneiro a propor de forma incisiva, a compreensão do fenômeno técnico em sua totalidade. Sorre estava convencido de que a relação entre a transformação da técnica a mudança geográfica era muito importante [8].
O sorreano Milton Santos ainda acrescentaria que atualmente a sociedade humana tem como seu domínio a Terra, ou seja, todo o planeta. Esta totalidade é o habitat desta sociedade. Na
verdade, habitat e ecúmeno são, agora, sinônimos, abrangendo, igualmente, todo o planeta. Na atualidade, segundo Santos, a Terra e a humanidade se confundem em um todo único. A presença do homem é um fato em toda a superfície terrestre e, a ocupação que, porventura, ainda não tenha ocorrido, é, entretanto, politicamente existente [9].
Em relação à Geografia Médica, Max. Sorre (a exemplo de Castro) a considerava como parte da Geografia Humana. Permitiu a apreensão da doença em termos de um fenômeno localizável, passível de delimitação em termos de área, inspirado em rumos já delineados por La Blache, Demangeon, Jean Brunhes e De Martonne, entre outros.


2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIDA E A OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

Josué Apolônio de Castro nasceu no Recife, no dia 05 de setembro de 1908. A capital pernambucana que Castro chamava de mocambópolis ou Hong Kong das Américas, possui uma triste relação com a dramática seca ocorrida entre 1877-79, que expulsou seus avós paternos e seu próprio pai do sítio que possuíam em Cabaceiras, no sertão paraibano [10].
De família abastada, Josué concluiu o curso de Medicina em dezembro de 1929, então com
21 anos e, no ano seguinte retornou a Recife para começar a sua carreira de médico. Como a nutrição era uma especialidade nova, tornou-se um médico da moda e assim, obteve um número expressivo de pacientes. No ano de 1932, clinicando em uma fábrica, deparou-se com as difíceis condições de vida e trabalho dos operários. Castro realizou o inquérito sobre As condições de vida dos operários de Recife, considerado um dos trabalhos pioneiros desta categoria a ser realizado no Brasil [6].
Com o lançamento do livro A alimentação brasileira à luz da Geografia Humana, em 1937,
Castro afirmou que era necessário não mais analisar a questão da alimentação sob uma visão



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fragmentada, mas sim de forma holística, o que só poderia ser obtido com um estudo baseado
nos métodos e princípios da Geografia Humana, capaz de permitir uma visão total acerca da
temática [11].
Nesta obra, estabeleceu como padrão nutricional a ingestão de 2.800 calorias diárias, considerando-se um brasileiro adulto, do sexo masculino e estabeleceu a porcentagem deste padrão relativa às mulheres e às outras faixas etárias. O autor destacou a necessidade do retorno
ao estudo sobre as vitaminas. É importante observar que nesta obra, há um prelúdio do que seria o clássico Geografia da Fome, que seria escrito quase dez anos depois [11].
Josué de Castro é reconhecido em todo o mundo não apenas por sua vasta capacidade intelectual, mas também por seu engajamento político, realizando várias conferências sobre as questões relativas à alimentação e nutrição em diferentes países entre 1939 e 1947.
No momento em que o Brasil se preparava para entrar na II Guerra Mundial, Castro foi
nomeado diretor do Serviço Técnico de Alimentação Nacional e, neste mesmo período, era diretor do Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil, órgão no qual teve um papel determinante na redução da endemia do bócio.
Acreditou-se, durante muito tempo, que o bócio fosse causado por ação de um agente etiológico, por influência da teoria da unicausalidade então um paradigma dominante, embora nenhum vírus ou germe capaz de causar a doença tivesse sido detectado. Castro foi um dos que procurou provar que a origem do bócio era carencial, produto da falta de iodo nos alimentos e que este era um elemento fundamental no funcionamento da glândula tireóide.
O autor apresentou uma proposta de tratamento do bócio-cretínico, ao estabelecer uma dose mínima de iodo necessária ao combate e, devido à dificuldade da utilização em grande escala de alimentos marinhos em áreas distantes do mar, defendeu o enriquecimento artificial do sal de cozinha.
Castro atacou, principalmente, os tabus alimentares nordestinos, em especial sobre a chamada
anemia tropical. Castro argumentou que esta enfermidade não era causada pelas aludidas
inferioridades raciais e, tampouco, pelas condições climáticas tropicais, mas sim, pela carência
férrica dos habitantes do Nordeste.
Este autor foi deputado federal entre 1954-64, além de ter assumido cargos importantes na
Organização das Nações Unidas (ONU). Outrossim, escreveu várias obras, dentre as quais pode-se destacar, pela repercussão mundial, Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, obras
que foram traduzidas em diversos idiomas[12].


3. AS OBRAS “GEOGRÁFICAS” DE JOSUÉ DE CASTRO: GEOGRAFIA DA FOME E GEOPOLÍTICA DA FOME

a) Uma análise da Geografia da Fome.

Geografia da Fome, publicado em 1946, foi, provavelmente, o mais importante livro da
carreira de escritor de Josué de Castro. Nele, o autor realiza uma análise da fome no Brasil, tentando encontrar as razões deste fenômeno, mesmo sendo esta temática pouco estudada na época. Segundo o autor, as razões desta omissão foram, provavelmente, as intenções das classes dominantes em esconder o fato, bem como, nos preconceitos quanto à fome e na própria ciência e técnicas ocidentais. Estas, evidentemente, sentiam-se humilhadas, pois, apesar de envaidecidas por suas brilhantes conquistas materiais no domínio das forças da natureza, viram-se forçadas a admitir abertamente o seu quase absoluto fracasso em melhorar as condições de vida humana no
nosso planeta.
Mais ainda: o desconcertante silêncio da ciência sobre a temática evidencia que, consciente
ou inconscientemente, ela tornava-se cúmplice dos interesses políticos que procuravam
escamotear a verdadeira situação de enormes massas humanas envolvidas em caráter
permanente no ciclo implacável da fome [12].



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Neste contexto, Castro aponta a Geografia Médica inserida em um papel de denúncia e prevenção no tocante às causas das enfermidades e como peça fundamental de conscientização para a necessidade de reformas na estrutura social no Brasil. Segundo o autor, a fome, tanto global como específica, evidenciada nas várias carências que o estado de nutrição do nosso povo apresenta, constitui, sem sombra de dúvida, o fator principal da lenta integração econômica do país [12].
Devido a esta condição biológica precária, ocorrem graves deficiências no contingente demográfico nacional. Estas deficiências são conseqüência diretas dos elevados índices de mortalidade infantil, de mortalidade global, muitas vezes provocadas pelas doenças de massa, como a tuberculose, além dos altos coeficientes de morbidade e da incapacidade para o trabalho e dos baixos índices de longevidade [12].
Antônio Carlos Robert de Moraes, em sua obra Geografia – Pequena História Crítica, alude
que Geografia da Fome expôs aos geógrafos novos horizontes ao apontar uma perspectiva de engajamento social, de atuação crítica. Sobre este livro, Moraes afirma que, apesar de não ter ultrapassado a escala de proposta regional, conseguia apresentar realidades tão contraditórias, que a sua simples descrição obtinha uma notável capacidade de denúncia, fazendo da Geografia um instrumento de ação política [3].
Esta obra possuiu uma característica peculiar em que, sendo o autor seguidor da Escola Possibilista de Geografia, teria conseguido realizar um trabalho de abordagem mais globalizante, analisando os aspectos político-econômicos do fenômeno da fome e assim, como já mencionado, a Geografia (mais especificamente, a Geografia Médica) tornou-se um instrumento de denúncia das causas naturais e sociais da questão da alimentação e de provedora
de soluções globais para tal fenômeno.
Mas, é interessante destacar que, neste livro, o autor superou a Escola Francesa de Geografia, pois não tratou apenas de localizar a fome, mas de analisá-la. Mesmo utilizando-se dos princípios vidalinos, adaptava-os, visto que não somente descrevia os hábitos alimentares do gênero de vida, porém, realizava a análise das deficiências destes hábitos e suas causas mais profundas [6].
Este livro alertou, de forma clara, que a fome, quantitativa e qualitativa, existente no Brasil, advinha de fatores sócio-econômicos e não de impedimentos de ordem natural. Regionalizou o país em cinco áreas alimentares, a saber: Amazônia, Zona da Mata do Nordeste, Sertão do Nordeste, Centro-Oeste e Extremo Sul.
Castro encerrou o livro criticando a economia brasileira como sendo semi-colonial e sua agricultura como semi-feudal, com grave desequilíbrio regional de alimentos (com mais de dois terços sendo produzidos nos estados do Sul) e com um desconhecimento por boa parte da população do valor nutritivo dos alimentos, agravado pelos tabus alimentares e pelo baixo poder de compra da maior parte da população.

b)Uma análise da Geopolítica da Fome.

Este livro tratou do panorama da fome no mundo, especialmente por se tratar de uma época imediatamente posterior à 2ª Guerra Mundial, com toda a efervescência do processo de descolonização da Ásia e da África. Este período também foi marcado por avanços da medicina que reduziram as taxas gerais de mortalidade, provocando um elevado crescimento populacional
nos países subdesenvolvidos.
Neste contexto, houve uma reabilitação das ideias de Thomas Robert Malthus (1766-1834) contidas em sua principal obra: Ensaio sobre o Princípio da População (1798), reabilitação esta que foi denominada de neomalthusianismo. Estas formulações enfatizavam a necessidade da implantação do controle de natalidade nos países pobres. O neomalthusianismo afirmava que o número elevado de nascimentos obrigava o país a desviar recursos para a educação e saúde e não para os recursos produtivos, como transporte, energia, indústria e outros [13].
Esta preocupação com o aumento das taxas de natalidade era o risco representado pelo crescimento desordenado do exército industrial de reserva (crítica já feita por Marx às idéias de Malthus) e, assim, ocorrerem revoltas dos excluídos contra a estrutura econômica vigente. Sob a



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ótica neomalthusiana, o contingente populacional desejado era aquele que supriria a necessidade
de mão-de-obra, havendo claro, uma pequena quantidade excedente para pressionar os salários
para baixo.
Castro realizou uma mudança de escala do nacional, observada em Geografia da Fome, para o mundial, em Geopolítica da Fome. No primeiro, o autor estudou a escala regional brasileira, analisando as características alimentares e as carências delas decorrentes em cada uma das cinco
regiões em que dividiu o país [13].
Já em Geopolítica..., o autor, por meio da ampliação de sua análise para a escala do mundo, procurou dividir a superfície da terra em áreas ricas e pobres, evidenciando o contraste Norte/Sul, demonstrando que o fenômeno da fome era mundial [6].
Esta obra foi traduzida em pelo menos 25 idiomas e foi agraciada com vários prêmios nacionais e internacionais. Tinha como objetivo de analisar os terríveis malefícios que a fome está provocando na sociedade humana. Castro propunha, como objetivo da Geopolítica da Fome, travar uma guerra contra a fome, onde os inimigos a serem derrotados eram as idéias de Malthus, o neomalthusianismo, o determinismo fisiográfico, a monocultura latifundiária e o imperialismo. Neste intento, ele buscava apoio teórico em diversos geógrafos – especialmente franceses -, nos ideais cristãos e, como já tinha feito anteriormente em Geografia da Fome, importou influências marcantes de outras ciências, como a Sociologia e a Economia [13].
Mais uma vez, Castro conta com a influência relevante de Max. Sorre, que era seu amigo e deu sugestões para o trabalho de Castro sobre a cidade do Recife, tornando-se o autor do prefácio à edição francesa de Geopolítica da Fome. Nesta obra, está presente a visão (sorreana) planetária e ecológica do mundo como um organismo vivo e unitário, com suas partes ligadas entre si.
Em sua análise das diversas áreas do mundo, Castro não deixava de lado a estrutura de classes, a influência da religião, da cultura, do processo histórico e, onipresente no livro, estavam as denúncias às injustiças do passado colonial, ao sistema político e à estrutura fundiária. Castro redigiu sobre a fome existente nos Estados Unidos e um capítulo inteiro sobre este fenômeno na Europa.
Em Geopolítica da Fome, o autor alertava ainda para a pequena quantidade de estudos sobre a fome, destacou a importância da interpretação geográfico deste fenômeno (a questão da geopolítica) e como já mencionado, travou uma batalha radical contra o malthusianismo e o neomalthusianismo.
Castro também criticava a teoria – muito aceita por décadas – na qual somente o aumento da produção de alimentos solucionaria o flagelo da fome, pois, segundo o autor, era também necessário que os alimentos pudessem ser adquiridos e consumidos pelas pessoas que deles precisam e assim evitar o binômio: superprodução e subconsumo [6].
Da leitura da Geopolítica da Fome, podem ser destacadas duas linhas principais apontadas por Castro. A primeira se relaciona com a necessidade da superação do tabu da fome (tema comumente omitido pela maioria dos governos do mundo), onde o autor tenta demonstrar como a humanidade sempre sofreu com o drama da fome, não importando a época ou a região do globo. Neste sentido, Castro realiza em todos os capítulos uma retrospectiva histórica do fenômeno da fome para cada região.
A segunda linha principal, já esboçada em Geografia da Fome, é a denúncia das mazelas originadas pelo processo de colonização ao redor do mundo. Castro denuncia o fato de que todas as regiões que passaram pelo processo de colonização (europeu principalmente) sofreram e ainda sofrem com o flagelo da fome.
Não se limitou a diagnosticar a fome no mundo, mas passou também a orientar como se poderia desenvolver a luta pela sua erradicação. Concluiu o livro responsabilizando e condenando o sistema colonial de organização do território, imposto pela expansão da civilização européia no mundo tropical e sugeria a necessidade de se desenvolver uma política de correção dos seus impactos negativos, política esta que entraria em choque com os interesses das grandes potências e das sociais que apoiavam tal estado de coisas [13].






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4. O POSSIBILISMO GEOGRÁFICO NA OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

a) A influência de Vidal de La Blache

A multiplicidade temática contemplada por Josué de Castro associada ao seu pioneirismo e às modalidades de abordagem quase sempre inovadoras, conferiu-lhe distinções como autor plural e/ou matriz à análise e compreensão de alguns aspectos que ‘simbolizam’ a sua contemporaneidade e perduram até hoje. No início de sua trajetória geográfica, fica evidente a influência do pensamento de Vidal de la Blache e do possibilismo na obra de Castro. La Blache, como já foi mencionado, reagiu contra o cego determinismo geográfico da escola de Ratzel e, afirmou com segurança que, das relações que ligam o homem a um certo meio, uma das mais marcantes é exatamente a que transparece quando se estudam os meios de nutrição, temática tão cara a Castro [11].
Na já mencionada obra A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, de 1937, Castro demostrou que os estudos sobre alimentação em vários países eram tema de análise de várias ciências na tentativa de se estabelecer uma dieta racional baseada em princípios científicos e, nesta obra, estão presentes muitas características da Geografia vidalina.
Na obra em questão, o autor aprofundou os estudos sobre a fisiologia da nutrição, das características físicas e morais do povo dessa região, de sua evolução demográfica, de sua capacidade e resistência orgânicas e também realizou um estudo das condições físicas do meio, das suas condições econômicas, da sua organização social e dos gêneros de vida. Também sempre defendia ser o método geográfico o único eficaz para a análise da questão (da alimentação), visto que para discutir este tema, faz-se necessário abordar vários aspectos da realidade [11].
Segundo o autor, o método geográfico é aquele capaz de sintetizar os diversos conhecimentos, quer sejam naturais ou humanos, que se verificam sobre a superfície da Terra e que um dos motivos pelos quais o problema alimentar ainda não se encontrava solucionado decorria da falta de aplicação do método geográfico ao seu estudo, o que induzia os interessados pela questão a estudar os aspectos parciais, projetando uma visão unilateral do problema.
Só a geografia considera a Terra como um todo, e que ensina a saber ver os fenômenos que se passam em sua superfície, a observá-los, agrupá-los e classificá-los, tendo em vista a sua localização, extensão, coordenação e causalidade, - que pode orientar o espírito humano na análise do vasto problema da alimentação, como um fenômeno ligado, através de influências recíprocas, à ação do homem, do solo, do clima, da vegetação e do horizonte de trabalho. Dentro deste sentido da unidade terrestre [11].
Com estes elementos, Castro utilizou a definição de Emmanuel de Martonne (1873-1955), segundo a qual a geografia é a ciência dos fenômenos físicos, biológicos e sociais, encarados em sua distribuição na superfície do globo, suas causas e relações recíprocas – e que iria estudar geograficamente o problema da alimentação [6].
A influência da geografia vidalina volta a ser sentida claramente quando Castro escreve um breve histórico criticando o determinismo fisiográfico, afirmando que a geografia havia superado a fase de “simples descrição da terra para ser a ciência da terra” e, sobretudo, valorizou a técnica como forma de criação de possibilidades para a adaptação do meio às necessidades do homem.
No artigo Os preconceitos de raça e clima [14], Castro cita novamente La Blache, quando este último afirmou que das relações que ligavam o homem a um certo meio, uma das mais tenazes transparecia quando se estudavam os meios de nutrição. Ainda nesta obra, tentou fazer um histórico do determinismo fisiográfico, desde de Hipócrates, passando por diversos filósofos e pensadores, até chegar às concepções de La Blache, que muito elogiou.
Entretanto, apesar de concordar com as possibilidades que o conjunto de técnicas permitia ao homem, Castro considerava que o mesmo ainda não escapava totalmente da ação da natureza.
Podendo agir e resistir a sua ação direta imediata, como, por exemplo, adaptar-se a ação dos seus fatores meteorológicos. Entretanto, ainda se encontra subordinado à ação indireta da natureza, que se evidencia, especialmente, através do mundo botânico [14].



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Em um determinado ponto de teorizador, Castro percebeu que se a influência da escola francesa, por um lado, auxiliou no seu trabalho, especialmente nas primeiras obras, por outro lado, já estava se tornando um obstáculo para a sua evolução e maturidade, visto que se tratava de uma escola extremamente resistente a novas idéias e conceitos.


b) A influência de Maximilien Sorre

Como sabemos, Max. Sorre era contemporâneo e amigo de Josué de Castro e lhe forneceu sugestões para seus estudos. Sorre defendia que a ciência geográfica era a análise das influências e das interações entre o homem e o meio natural, sustentando o que muitos denominam de possibilismo ambiental [7].
A influência do pensamento de Max. Sorre pode ser sentida quando se estuda o capítulo inicial do livro A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana [11], denominado O estudo fisiológico da alimentação no Brasil, quando afirmava que o estudo da nutrição precisava ser realizado levando-se em consideração as condições clímato-botânicas e a organização econômico-social, ou seja, do complexo ambiente cultural – o meio e o homem, visto que também deveriam ser levados em conta os hábitos dos moradores.
Josué de Castro, nesta mesma obra, destacou a lei da conservação da energia e com conceitos que ajudam na explicação da atração pela ecologia (uma temática tão cara aos estudos de Sorre).
O autor insistia que o chamado padrão universal do metabolismo de base era dos climas temperados e frios, mas não dos quentes, que as médias térmicas teriam que ser analisadas com cuidado, sem isolá-las de outros elementos climáticos e que, as leis que explicavam o mecanismo da ação do clima sobre as plantas não eram, necessariamente, válidas para os seres humanos.
O autor provou que as mazelas que acometiam o povo brasileiro ocorriam também em outras latitudes e em áreas nas quais não aconteceram mestiçagens com a raça negra, apontada pelos racistas como inferior. Para Castro, o estado de pobreza e seus males seriam resultantes da organização econômico-social [6].
Castro, ao analisar a influência do clima, afirmou que o calor não era nem mais nem menos adequado que o frio e, com base na ciência, o clima mais apto seria o tropical, pois o homem era um animal de climas quentes que, ao longo do tempo, adaptou-se ao outros tipos de clima.
Enumerou várias civilizações do passado (asiáticas, americanas e africanas) todas elas geograficamente localizadas no domínio tropical, com o intuito de provar que a hegemonia das zonas temperadas ocorria apenas naquele momento histórico [6].
É importante ressaltar que, possuindo formação de médico, Castro tendia a analisar os problemas sociais dentro de um contexto de raízes biológicas, ou seja, apesar de não aderir ao biologismo social, o autor muitas das vezes, analisava a sociedade seguindo um modelo organicista, muito utilizado por geógrafos como Elisée Reclus e Max. Sorre.
Esta visão organicista está presente no livro Ensaios de Geografia Humana [15], em que Castro comparava o ciclo vital das cidades. Esta era visto como um organismo vivo, sem considerar as causas sociais e as estruturas das classes sociais. Como exemplo desta orientação, Castro explicava os índices de natalidade, segundo o princípio biológico da teleonomia, que é a propriedade que todos os sistemas vivos possuem a fim de executarem as suas funções em ritmo e dinâmica que maximizem a sobrevivência do indivíduo e, sobretudo, da espécie.
Geralmente, quando uma espécie está ameaçada de extinção, aumenta a sua capacidade reprodutiva, como pode ser exemplificado o fato de que só nas temporadas das grandes secas na China, o bambu floresce notavelmente, para preservar a espécie ameaçada. Dessa forma, segundo o autor, os altos coeficientes de natalidade dos países subdesenvolvidos obedecem à mesma lei biológica e, na hipótese das estruturas econômicas mudarem, e caso a alimentação se torne adequada, constatar-se-á natureza agir ‘teleonicamente’, fazendo baixar os índices de natalidade, fato que ocorreu em todas as áreas de alto nível de vida no planeta [11 e 15]. No livro Geopolítica da Fome, outra vez a influência de Max. Sorre pôde ser sentida. Ao combater o malthusianismo, o determinismo fisiográfico, a monocultura latifundiária e o



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imperialismo, Castro se apoiava tanto em concepções cristãs, quanto em diversos geógrafos, especialmente nas obras de Max. Sorre.
Além disso, Sorre buscava explicações nos diferentes ramos do conhecimento, fato que fazia dele um grande defensor da unidade da Geografia, de sua interdisciplinaridade e da necessidade de colaboração (e não de disputa) entre as ciências. Assim, a visão ecológica de Sorre apresentava o mundo como um organismo vivo e unitário, com suas partes ligadas entre si, algo muito semelhante ao que Castro apresentava constantemente em Geopolítica da Fome [13].
Assim, segundo Castro, se uma região estivesse sofrendo com a fome, todo o mundo sentiria as conseqüências. Sem dúvida alguma, as obras vidalinas e sorreanas auxiliaram e muito o trabalho geográfico de Josué de Castro. De Sorre, pode-se constatar a confiança no poder da ciência e da técnica na erradicação da fome, vista como uma outra obra do homem.


5. CONCLUSÃO

Este artigo teve como objetivo principal demonstrar de que forma as idéias e conceitos da Escola Francesa de Geografia, notoriamente de seus maiores expoentes – Vidal de La Blache e Max. Sorre - influenciaram o pensamento de Josué de Castro, um médico que utilizou o conhecimento geográfico para compreender uma temática que muito lhe incomodava: a fome, no Brasil e no mundo [1].
Pôde-se constatar, neste sucinto resumo de sua vida e obra, que é muito difícil apreender, em sua totalidade, as correntes ou diretrizes teórico-metodológicas que influenciaram a produção intelectual de Castro. Entretanto, no âmbito da Geografia, tornou-se evidente a aproximação do pensamento vidalino e sorreano nas diferentes fases de seu trabalho [1].
Na análise de sua vasta obra, a primeira observação necessária foi sua formação e atuação médica na década de 1920. Este fato fez com que existisse, nessa fase, uma tendência, por parte do autor, a uma naturalização de certos fenômenos sociais, embora Castro sempre contestasse tal relação. Procurou sempre mediatizar a determinação biológica e relacionar o fator biológico com o social e isto o foi aproximando cada vez mais da Geografia, no sentido de estudar as relações entre o meio natural e o homem.
Este autor adotou conceitos e idéias da Geografia, sempre salientando a importância do método geográfico e a influência de pensadores geógrafos para compreender a realidade “produtora de fome”. Tal método obrigava-o a interpenetrar as grandes formulações científicas com as observações de campo. Interpenetração que impedia, ao contrário do que ocorria com outros grandes pensadores, de ser levado à alienação, à formulação de projetos elaborados em outras regiões para a realidade do Brasil e do mundo dito subdesenvolvido. Daí ter procurado sempre captar os desafios brasileiros para elaborar projetos que procurassem encaminhar soluções viáveis para superá-los.
É possível verificar que o trabalho de Castro apresentava divergências com o grupo de neutra, deixando as questões políticas e econômicas a cargo dos sociólogos e economistas.
Os estudos castrinos percorreram o caminho de uma geografia médica vidalina “pura” (acrítica), até assumir uma postura engajada, de denúncia das desigualdades econômico-sociais, obtida graças a incursões realizadas em outras ciências sociais (como a Sociologia e a Economia), bem como pela influência da Ecologia Humana de Max. Sorre, que aperfeiçoou os conceitos adotados pela Escola Francesa de Geografia [13].
O legado de Castro, por tratar de forma tão incisiva a questão das disparidades sócioespaciais, certamente ultrapassou e muito o campo do saber da ciência geográfica. Assim, podemos dizer que Castro desempenhou um notável papel na modernização e difusão da geografia no Brasil. Defendia ele que a ciência geográfica deveria ir além da mera descrição e enumeração de fenômenos naturais e culturais existentes na superfície terrestre [1].
A Geografia da Fome, apesar de manter muitos dos padrões possibilistas, demonstra a fome como um produto histórico-social e não de condicionantes naturais. Nesta obra, o homem não é encarado como sujeito passivo, e sim como sujeito produtor do seu espaço, sendo este

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considerado produto das relações que se dão entre a sociedade e o meio, e entre opressores e oprimidos [12].
Castro utilizou o princípio da analogia de Karl Ritter e, mais uma vez, o tão valorizado método geográfico para elaborar aquela que seria a sua próxima antologia, a Geopolítica da Fome, em 1951. Se em Geografia da Fome, o autor chocou o Brasil ao revelar a realidade da miséria nacional, em Geopolítica da Fome, Josué alterou a escala de análise para denunciar o problema no mundo inteiro. Assim, regionalizou o mundo partindo de uma analogia com a regionalização feita em Geografia da Fome [13].
Tornar pública a existência da fome através da denúncia de suas causas e conseqüências foi o grande objetivo destas duas obras maiores de Josué de Castro, a primeira, Geografia da Fome, e a segunda, Geopolítica da Fome. A diferença teórico-metodológica é praticamente nula entre ambas, sendo a escala de análise a principal modificação de uma para a outra [12 e 13]. Castro deixou uma vasta obra e muitos sonhos. Para ele, sonhar com um outro mundo, não era sinônimo de fuga, mas sim, o ponto de partida da construção do novo. Realizando uma reflexão ampla dos fatos históricos, podemos constatar que nem toda a idéia resulta em uma ação imediata e, muitas delas podem ressurgir, mesmo que de forma alterada, em um outro momento da história. Josué de Castro foi o que se poderia denominar de intelectual engajado, no sentido de ser ele uma pessoa que buscava compreender o mundo, objetivando a produção de idéias fundamentais para a transformação do mesmo [1].
Para a história do pensamento geográfico brasileiro sua contribuição foi decisiva. Sua obra apresenta um rico debate com diversos geógrafos, em especial com os da Geografia Francesa, e, por vezes, é possível apontar para avanços teóricos realizados pelo autor no sentido de uma Geografia possuidora de uma postura mais crítica e ativa frente à realidade brasileira e mundial [1].
Destarte, para Castro, a finalidade da Geografia Médica é criar relações entre ambiente natural humanizado e saúde, bem como destacar o papel da nutrição como um elemento fundamental para a manutenção da dignidade, da saúde e a prevenção de enfermidades. Mais do que isso, Castro destaca a própria nutrição sendo influenciada pelos produtos regionais, ou seja, do próprio meio [16].
Para concluir, pensamos que a contribuição da obra de Josué de Castro para a Geografia Médica brasileira foi, em primeiro lugar, destacar que os fenômenos da fome e da má-nutrição não são produzidos pela natureza, mas sim, por um sistema político-econômico desigual, forjado historicamente. Um segundo ponto, foi a ruptura da obra castrina com o possibilismo vidalino, sendo auxiliado, para tanto, por idéias de outras ciências, como a Sociologia, a Economia etc. epelo pensamento da “Ecologia Humana”, desenvolvido pelo geógrafo francês Max. Sorre [1].



1. VIEITES, R.G. A influência de Maximilien Sorre e Vidal de La Blache na Geografia Médica de
Josué de Castro. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2008, 111 fls.
2. CARVALHO, A.A.T. Josué de Castro: um geógrafo de múltiplas contribuições revisitado em suas
idéias. São Paulo. USP, (2002). Disponível na Internet:
. Acesso em: 24 jan. 2006.
3. MORAES, A. C. R. Geografia - Pequena História Crítica São Paulo: Hucitec, 138 p. (1999).
4. GOMES, P. C. C. Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 368p. (2003).
5. SORRE, M. Los Fundamentos Biológicos de La Geografia Humana. Ensayo de una Ecologia del
Hombre: Concusion. In: MENDOZA, J. G.; JIMÉNEZ, J. M.; CANTERO, N. O. (Org.) El
pensamiento geográfico: Estudio interpretativo y antología de textos (De Humboldt a las tendencias
radicales), Madrid: Alianza Editorial: 267-274 (1982).
6. CAMPOS, R. R. A dimensão populacional na obra de Josué de Castro. Tese de Doutorado do
Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista , 2004. 430 f.
7. SORRE, M. A noção de gênero de vida e sua evolução. In: MEGALE, J. F. (Org.) Max .Sorre:
Geografia, Rio de Janeiro: Editora Ática: 99-123 (1984).
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8. SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: EDUSP, 384
p (2002).
9. SANTOS, M. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, (1997).
10. GARCIA, C. O que é Nordeste Brasileiro. São Paulo: Brasiliense, (1984).
11. CASTRO, J. A alimentação brasileira à luz da Geografia Humana. Porto Alegre: Livraria do
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12. CASTRO, J. Geografia da Fome. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 318p. (2001).
13. CASTRO, J. Geopolítica da Fome: ensaios sobre os problemas de alimentação e população. São
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14. CASTRO, J. Documentário do Nordeste. São Paulo: Brasiliense, (1957a).
15. CASTRO, J. Ensaios de Geografia Humana. São Paulo: Brasiliense, (1957b).
16. EHARALDT, A. Aplicabilidade da Geografia na Área Médica e Nutricional: O Custo da Cesta
Básica X Renda Familiar e a Mortalidade Infantil. Monografia de Graduação em Geografia do
Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1999, 87 fls.

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