sábado, 20 de fevereiro de 2010

A Influência de Maximilien Sorre e Vidal de La Blache na Geografia Médica de Josué de Castro




SCIENTIA PLENA VOL. 5, NUM. 6 2009
www.scientiaplena.org.br

065401-1

A Influência de Maximilien Sorre e Vidal de La Blache na
Geografia Médica de Josué de Castro




R. G. Vieites¹ & I. A. Freitas2



1Núcleo de História Ambiental e Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,20550-013, Rio de Janeiro
RJ, Brasil

2Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 20550-013, Rio de Janeiro
RJ, Brasil

renatoguedesvieites@hotmail.com, freitasines@hotmail.com

(Recebido em 27 de abril de 2009; aceito em 26 de junho de 2009)


Uma análise histórica do pensamento geográfico demonstra que a associação entre a Geografia e a Medicina ocorre desde tempos remotos, tendo como pano de fundo a interface entre elementos como saúde, meio ambiente e espaço. Este estudo procurou demonstrar as influências que os geógrafos Vidal de La Blache e Maximilien Sorre exerceram sobre a obra de Josué de Castro (médico e “geógrafo” brasileiro). Estas influências podem ser constatadas desde as primeiras obras de Castro relacionadas à espacialização da saúde, ainda muito impregnadas pelo possibilismo vidalino e pela utilização de conceitos próprios desta escola geográfica, até o lançamento dos livros Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, quando a visão ecológica de Sorre e o contato com outras ciências humanas ampliaram o horizonte crítico das obras castrinas.

Palavras-chave: possibilismo, Vidal de La Blache, Maximilien Sorre, Geografia Médica , Josué de Castro

A historical analysis of the geographical thought shows that the association between Geography and Medicine occurs since ancient times having as background the interface among subjects as health, environment and space. This essay is an attempt to demonstrate the influences which geographers Vidal de la Blanche and Maximilien Sorre carried out on the Josué de Castro’s (brasilian physician and “geographer”) work. These influences can be verified since the initial Castro’s works concerned with the spacialization of health, works that are still very impregnated with the Vidal’s possibilism and with this geographic school own concepts, until the edition of the books The geography of Hunger and the Geopolitics of Hunger, in which Sorre’s ecological perspective and contact with other human sciences amplify the critical horizon of Castro’s works.

Keywords: possibilism, Vidal de La Blache, Maximilien Sorre , Medical Geography, Josué de Castro


1. INTRODUÇÃO

Este artigo é uma adaptação da dissertação A influência de Maximilien Sorre e Vidal de La
Blache na Geografia Médica de Josué de Castro, defendida pelo autor e aprovada em março de
2008, sob a orientação da Profª Drª Inês Aguiar de Freitas e teve, como objetivo principal, no
âmbito da Geografia, demonstrar como as formulações de Vidal de La Blache e Maximilien
Sorre (dois importantes nomes da Escola Francesa de Geografia) influenciaram o pensamento
de Josué de Castro, uma das grandes personalidades brasileiras do século XX [1].
Tentaremos demonstrar ainda a perspectiva inovadora de Josué de Castro que, percebendo as limitações teóricas do modelo possibilista vidalino, buscou auxílio em outras ciências humanas e na Ecologia Humana de Max. Sorre (como ele assinava suas obras) para o prosseguimento de suas formulações, que dariam como frutos suas obras mais conhecidas - Geografia da Fome e Geopolítica da Fome. Estudaremos também de que forma as questões sociais (em especial, o problema da fome) foram abordadas pelo autor de forma crítica, com a utilização do método geográfico (que abrange princípios como os de extensão, coordenação, causalidade e correlação).
A multiplicidade temática contemplada por Josué de Castro associada ao seu pioneirismo e às modalidades de abordagem por ele utilizadas, quase sempre renovadas, conferiu-lhe distinções como autor plural e matriz não só de uma “Geografia Médica”, mas também da análise e compreensão de alguns aspectos que ‘simbolizam’ a sua contemporaneidade, perceptível ainda
hoje [2].


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Entretanto, para uma análise da obra de Castro, um autor não-geógrafo, mas que iniciou seus trabalhos geográficos, em especial sobre a Geografia Médica, antes da existência “oficial” deste ramo da geografia no Brasil, faz-se necessário um resgate histórico do desenvolvimento da própria Geografia lato sensu, isto é, uma reflexão do significado da ciência geográfica e, principalmente, da Geografia Tradicional, da qual o autor em questão recebeu fortes influências.
A Geografia possui muitas definições, como, por exemplo, o estudo da superfície terrestre, estudo da paisagem, estudo da individualidade dos lugares, estudo dos espaços, estudo das relações entre o homem e o meio, ou ainda, o estudo da sociedade e suas relações com a natureza[3 e 4]. Entre os diversos ramos desta ciência, encontra-se a Geografia Médica, objeto deste trabalho.
Trata-se de um tema que tem sido pouco trabalhado pelos geógrafos e, nos últimos tempos, biólogos, biomédicos, parasitologistas e demais profissionais de saúde pública vêm se aproximando das categorias espaciais de forma a acrescentar a seu arcabouço teórico e analítico novas variáveis, categorias, métodos e técnicas. Assim, faz-se necessário, por parte dos geógrafos, o ressurgimento do interesse em estudos deste ramo tão importante para a análise geográfica da saúde e da doença.
A primeira parte deste trabalho discutirá a contribuição dos dois grandes expoentes da Escola Francesa da Geografia: Vidal de La Blache e Maximilien Sorre, sobre como estes mestres
influenciaram o conteúdo geográfico presente nas primeiras obras de Josué de Castro. Aqui serão analisados como o possibilismo de La Blache e a ecologia humana de Sorre serviram como fios condutores para a obra castrina .
Na segunda parte, será estudada a geografia de Josué de Castro propriamente dita, analisando sucintamente sua vida e um pouco da trajetória profissional deste autor, cujas obras então não se relacionavam diretamente à Geografia. Para fins deste artigo, restringimo-nos ao estudo da obra Alimentação brasileira à luz da geografia humana (1937), que serviu de base para o consagrado Geografia da Fome.
A terceira parte abordará as análises das obras “geográficas” de Josué de Castro: Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1951). Iremos mostrar como em Geografia da Fome, Josué de Castro realizou um estudo crítico de Geografia Médica, destacando a questão da fome e relacionando-a a uma série de doenças endêmicas ligadas a um déficit de nutrientes advindos de uma alimentação inadequada em termos de quantidade e/ou qualidade. Déficit este relacionado às condições naturais e sociais e aos hábitos culturais de uma população.
Demonstraremos ainda que em Geopolítica da Fome, Josué de Castro trata do fenômeno da fome no mundo, dividindo sua análise nos seguintes continentes: América, Ásia, África e Europa, mudando sua escala de trabalho em relação à obra anterior, passando a analisar o problema no mundo inteiro.
Finalmente, na quarta parte deste ensaio, procuraremos demonstrar de que forma o possibilismo de Vidal de La Blache e a ecologia humana de Maximilien Sorre influenciaram as obras de Josué de Castro, sobretudo quando o último valorizava o método geográfico. Mostraremos como os conceitos principais daqueles autores, - gênero de vida, habitat, ecúmen
- alicerçaram o possibilismo e como este foi utilizado na primeira fase da obra de Josué de
Castro.

1.1. Dois grandes expoentes da Escola Francesa de Geografia: Vidal de La Blache e Max. Sorre.


a) Vidal de La Blache e o Possibilismo

Podemos dizer que, na Geografia, Paul Vidal de La Blache (1845-1918) foi o principal representante da Escola Francesa de Geografia e defendia que o objetivo da ciência geográfica era o de observar as relações recíprocas entre o homem e o meio natural, estabelecendo comparações e classificações. La Blache é considerado o maior expoente do possibilismo, que sustenta a influência do meio sobre o homem, e considerando a Geografia como ciência natural.



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As idéias de deste autor, no entanto, combatiam a evolução linear pregada pelos positivistas e evolucionistas do século XIX [3 e 4].
É necessária a compreensão de que a geografia de La Blache surgiu em uma época em que a geografia alemã (representada por F. Ratzel) legitimava o expansionismo prussiano, com vistas ao futuro Estado alemão. Era necessário, portanto, uma resposta por parte da França, com vistas
a neutralizar tal ideologia. Como fundador deste empreendimento, surge Vidal de La Blache que desenvolve uma corrente dentro da geografia tradicional, a escola possibilista.
A fundação da Escola Francesa de geografia deve ser entendida, assim, dentro do contexto da Terceira República, de oposição ao determinismo geográfico alemão e das características particulares do desenvolvimento histórico francês. É importante ressaltar que tanto a escola alemã de geografia quanto a francesa vincularam-se ao discurso dos interesses das classes dominantes de seus países, por meio do discurso científico [3].
A idéia de meio para La Blache possui também a característica sintética e circular. É sintética, pois compreende a sinergia entre as forças de origens diversas que agem concomitantemente, dando-lhe uma forma e é circular, porquanto esta forma que se constitui numa totalidade, é a união de diversos elementos correlacionados, ou seja, causa e efeito uns dos outros [4].
Apesar de todos os méritos da proposta vidalina, ela também servia como ação legitimadora da ação imperialista francesa, visto que os gêneros de vida propostos por La Blache seriam uma "oportunidade" para sociedades mais "atrasadas" aprenderem com as mais "adiantadas" (no caso, a França) e assim, atingirem a prosperidade [3 e 4].
Além disso, o possibilismo, com seu caráter fortemente regionalizante, deteve-se no estudo
monográfico dos gêneros de vida, o que acarretava em uma visão estática da sociedade e no
distanciamento das questões ligadas à divisão entre classes sociais [3].


b) Maximilien Sorre e a Ecologia Humana

O geógrafo francês Max. Sorre (1880-1962) foi seguidor da Escola Possibilista da Geografia. Formou-se professor e lecionou até a Primeira Guerra Mundial. Trabalhou no sentido de integrar os estudos de Geografia Física aos de Geografia Humana. Este autor, manteve-se dentro da proposta vidalina, aperfeiçoando-a. Em boa parte de seu trabalho, Max Sorre privilegiou o enfoque da Biogeografia e possui como principais obras: Os Fundamentos da Geografia Humana (3 vols., 1943-1952) e O Homem na Terra (1962), que dão continuidade às reflexões de Vidal de La Blache [5].
Para Sorre, que escreveu suas principais obras na década de 1940, a ciência geográfica deveria estudar as formas pelas quais os homens organizam seu meio, considerando o espaço como a “morada do homem”. O principal conceito desenvolvido por este geógrafo foi o de habitat, que diz respeito a uma área do planeta habitada por uma comunidade que a organiza.
Trata-se assim, de uma construção humana, uma humanização do meio que expressa as múltiplas relações entre o homem e o ambiente que o envolve [3 e 4].
Com base neste apanhado sobre a obra de Max. Sorre, pode-se constatar que a geografia produzida por este autor é a Ecologia do homem, ou seja, trata-se da relação dos grupos humanos com o meio em que vivem, em um processo de contínua transformação deste meio pelo homem. Por conseguinte, as condições do meio geográfico, resultante da ação dos homens, seriam diferentes das do meio natural original [3].
Para o autor, a atividade humana se desenvolvia inserida em três grandes planos: o físico, o
biológico e o social, que, enquanto condicionantes e condicionados pelo homem, eram pertinentes à ciência geográfica. A pesquisa sobre estes planos tinha que ser permanente, porquanto a relação entre eles ser dinâmica. E o fato geográfico também o é [6].
Em sua principal obra (aliás, também considerada uma das maiores obras teóricas do pensamento geográfico), Os Fundamentos da Geografia Humana, Sorre demonstra o conteúdo de sua proposta. Tal obra possui três volumes, a saber: o primeiro, cujo título é Os fundamentos biológicos, foi lançado em 1943, e analisa o fator clima e a sua relação com os elementos orgânicos, bem como os limites que este fator impõe ao homem (complexos climáticos), a



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relação entre o meio e a alimentação e o meio e as doenças, os complexos patogênicos (idéias muito utilizadas por Josué de Castro). Enfim, enfatiza a idéia de associação entre o homem e o
meio[7].
O segundo volume, datado de 1948, aborda As técnicas da vida social e as técnicas de produção e de transformação das matérias-primas. Nele, Sorre analisa os modelos de agrupamentos humanos, as áreas de elevada ou baixa densidade populacional, bem como as formas de energia usadas pelas diferentes sociedades e a questão do domínio do espaço.
Também são aqui estudadas as modalidades de coleta, agricultura, pecuária, mineração e
indústria, relacionando-as às condições naturais e às necessidades humanas. No terceiro e último volume, intitulado O habitat (1952), Sorre relaciona a organização do habitat com os gêneros de vida, estuda os tipos de habitat, ou seja, o urbano e o rural, desde as suas formas mais primitivas (os grupos nômades) até as mais complexas (a metrópole industrial). Para Sorre, aos olhos de um geógrafo, a cidade não é um acidente da paisagem, pois as suas características são a expressão concreta e durável do gênero de vida urbano, dominado pela atividade da circulação, contrário aos dos gêneros de vida rurais [7].
Em outras palavras, Max. Sorre quis dizer que a circulação, o movimento, é a característica
que imprime não apenas os traços e traçados essenciais das cidades modernas, mas é a característica que dá coesão ao gênero de vida urbano, a essa maneira de viver que nos faz se identificar, em certa medida, com qualquer outra pessoa que também more numa cidade. A obra de Max. Sorre foi, sem dúvida, a segunda mais importante formulação da geografia francesa, pois tratou-se de uma reciclagem da geografia humana proposta por Vidal de La Blache, proporcionando uma retomada e um enriquecimento das teorias vidalinas – no sentido de proporcionar um conhecimento geográfico global e unitário -, mantendo porém, fidelidade à essência possibilista [3].
Não se pode também esquecer, como afirma Milton Santos, que Max. Sorre foi o geógrafo pioneiro a propor de forma incisiva, a compreensão do fenômeno técnico em sua totalidade. Sorre estava convencido de que a relação entre a transformação da técnica a mudança geográfica era muito importante [8].
O sorreano Milton Santos ainda acrescentaria que atualmente a sociedade humana tem como seu domínio a Terra, ou seja, todo o planeta. Esta totalidade é o habitat desta sociedade. Na
verdade, habitat e ecúmeno são, agora, sinônimos, abrangendo, igualmente, todo o planeta. Na atualidade, segundo Santos, a Terra e a humanidade se confundem em um todo único. A presença do homem é um fato em toda a superfície terrestre e, a ocupação que, porventura, ainda não tenha ocorrido, é, entretanto, politicamente existente [9].
Em relação à Geografia Médica, Max. Sorre (a exemplo de Castro) a considerava como parte da Geografia Humana. Permitiu a apreensão da doença em termos de um fenômeno localizável, passível de delimitação em termos de área, inspirado em rumos já delineados por La Blache, Demangeon, Jean Brunhes e De Martonne, entre outros.


2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIDA E A OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

Josué Apolônio de Castro nasceu no Recife, no dia 05 de setembro de 1908. A capital pernambucana que Castro chamava de mocambópolis ou Hong Kong das Américas, possui uma triste relação com a dramática seca ocorrida entre 1877-79, que expulsou seus avós paternos e seu próprio pai do sítio que possuíam em Cabaceiras, no sertão paraibano [10].
De família abastada, Josué concluiu o curso de Medicina em dezembro de 1929, então com
21 anos e, no ano seguinte retornou a Recife para começar a sua carreira de médico. Como a nutrição era uma especialidade nova, tornou-se um médico da moda e assim, obteve um número expressivo de pacientes. No ano de 1932, clinicando em uma fábrica, deparou-se com as difíceis condições de vida e trabalho dos operários. Castro realizou o inquérito sobre As condições de vida dos operários de Recife, considerado um dos trabalhos pioneiros desta categoria a ser realizado no Brasil [6].
Com o lançamento do livro A alimentação brasileira à luz da Geografia Humana, em 1937,
Castro afirmou que era necessário não mais analisar a questão da alimentação sob uma visão



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fragmentada, mas sim de forma holística, o que só poderia ser obtido com um estudo baseado
nos métodos e princípios da Geografia Humana, capaz de permitir uma visão total acerca da
temática [11].
Nesta obra, estabeleceu como padrão nutricional a ingestão de 2.800 calorias diárias, considerando-se um brasileiro adulto, do sexo masculino e estabeleceu a porcentagem deste padrão relativa às mulheres e às outras faixas etárias. O autor destacou a necessidade do retorno
ao estudo sobre as vitaminas. É importante observar que nesta obra, há um prelúdio do que seria o clássico Geografia da Fome, que seria escrito quase dez anos depois [11].
Josué de Castro é reconhecido em todo o mundo não apenas por sua vasta capacidade intelectual, mas também por seu engajamento político, realizando várias conferências sobre as questões relativas à alimentação e nutrição em diferentes países entre 1939 e 1947.
No momento em que o Brasil se preparava para entrar na II Guerra Mundial, Castro foi
nomeado diretor do Serviço Técnico de Alimentação Nacional e, neste mesmo período, era diretor do Instituto de Nutrição da Universidade do Brasil, órgão no qual teve um papel determinante na redução da endemia do bócio.
Acreditou-se, durante muito tempo, que o bócio fosse causado por ação de um agente etiológico, por influência da teoria da unicausalidade então um paradigma dominante, embora nenhum vírus ou germe capaz de causar a doença tivesse sido detectado. Castro foi um dos que procurou provar que a origem do bócio era carencial, produto da falta de iodo nos alimentos e que este era um elemento fundamental no funcionamento da glândula tireóide.
O autor apresentou uma proposta de tratamento do bócio-cretínico, ao estabelecer uma dose mínima de iodo necessária ao combate e, devido à dificuldade da utilização em grande escala de alimentos marinhos em áreas distantes do mar, defendeu o enriquecimento artificial do sal de cozinha.
Castro atacou, principalmente, os tabus alimentares nordestinos, em especial sobre a chamada
anemia tropical. Castro argumentou que esta enfermidade não era causada pelas aludidas
inferioridades raciais e, tampouco, pelas condições climáticas tropicais, mas sim, pela carência
férrica dos habitantes do Nordeste.
Este autor foi deputado federal entre 1954-64, além de ter assumido cargos importantes na
Organização das Nações Unidas (ONU). Outrossim, escreveu várias obras, dentre as quais pode-se destacar, pela repercussão mundial, Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, obras
que foram traduzidas em diversos idiomas[12].


3. AS OBRAS “GEOGRÁFICAS” DE JOSUÉ DE CASTRO: GEOGRAFIA DA FOME E GEOPOLÍTICA DA FOME

a) Uma análise da Geografia da Fome.

Geografia da Fome, publicado em 1946, foi, provavelmente, o mais importante livro da
carreira de escritor de Josué de Castro. Nele, o autor realiza uma análise da fome no Brasil, tentando encontrar as razões deste fenômeno, mesmo sendo esta temática pouco estudada na época. Segundo o autor, as razões desta omissão foram, provavelmente, as intenções das classes dominantes em esconder o fato, bem como, nos preconceitos quanto à fome e na própria ciência e técnicas ocidentais. Estas, evidentemente, sentiam-se humilhadas, pois, apesar de envaidecidas por suas brilhantes conquistas materiais no domínio das forças da natureza, viram-se forçadas a admitir abertamente o seu quase absoluto fracasso em melhorar as condições de vida humana no
nosso planeta.
Mais ainda: o desconcertante silêncio da ciência sobre a temática evidencia que, consciente
ou inconscientemente, ela tornava-se cúmplice dos interesses políticos que procuravam
escamotear a verdadeira situação de enormes massas humanas envolvidas em caráter
permanente no ciclo implacável da fome [12].



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Neste contexto, Castro aponta a Geografia Médica inserida em um papel de denúncia e prevenção no tocante às causas das enfermidades e como peça fundamental de conscientização para a necessidade de reformas na estrutura social no Brasil. Segundo o autor, a fome, tanto global como específica, evidenciada nas várias carências que o estado de nutrição do nosso povo apresenta, constitui, sem sombra de dúvida, o fator principal da lenta integração econômica do país [12].
Devido a esta condição biológica precária, ocorrem graves deficiências no contingente demográfico nacional. Estas deficiências são conseqüência diretas dos elevados índices de mortalidade infantil, de mortalidade global, muitas vezes provocadas pelas doenças de massa, como a tuberculose, além dos altos coeficientes de morbidade e da incapacidade para o trabalho e dos baixos índices de longevidade [12].
Antônio Carlos Robert de Moraes, em sua obra Geografia – Pequena História Crítica, alude
que Geografia da Fome expôs aos geógrafos novos horizontes ao apontar uma perspectiva de engajamento social, de atuação crítica. Sobre este livro, Moraes afirma que, apesar de não ter ultrapassado a escala de proposta regional, conseguia apresentar realidades tão contraditórias, que a sua simples descrição obtinha uma notável capacidade de denúncia, fazendo da Geografia um instrumento de ação política [3].
Esta obra possuiu uma característica peculiar em que, sendo o autor seguidor da Escola Possibilista de Geografia, teria conseguido realizar um trabalho de abordagem mais globalizante, analisando os aspectos político-econômicos do fenômeno da fome e assim, como já mencionado, a Geografia (mais especificamente, a Geografia Médica) tornou-se um instrumento de denúncia das causas naturais e sociais da questão da alimentação e de provedora
de soluções globais para tal fenômeno.
Mas, é interessante destacar que, neste livro, o autor superou a Escola Francesa de Geografia, pois não tratou apenas de localizar a fome, mas de analisá-la. Mesmo utilizando-se dos princípios vidalinos, adaptava-os, visto que não somente descrevia os hábitos alimentares do gênero de vida, porém, realizava a análise das deficiências destes hábitos e suas causas mais profundas [6].
Este livro alertou, de forma clara, que a fome, quantitativa e qualitativa, existente no Brasil, advinha de fatores sócio-econômicos e não de impedimentos de ordem natural. Regionalizou o país em cinco áreas alimentares, a saber: Amazônia, Zona da Mata do Nordeste, Sertão do Nordeste, Centro-Oeste e Extremo Sul.
Castro encerrou o livro criticando a economia brasileira como sendo semi-colonial e sua agricultura como semi-feudal, com grave desequilíbrio regional de alimentos (com mais de dois terços sendo produzidos nos estados do Sul) e com um desconhecimento por boa parte da população do valor nutritivo dos alimentos, agravado pelos tabus alimentares e pelo baixo poder de compra da maior parte da população.

b)Uma análise da Geopolítica da Fome.

Este livro tratou do panorama da fome no mundo, especialmente por se tratar de uma época imediatamente posterior à 2ª Guerra Mundial, com toda a efervescência do processo de descolonização da Ásia e da África. Este período também foi marcado por avanços da medicina que reduziram as taxas gerais de mortalidade, provocando um elevado crescimento populacional
nos países subdesenvolvidos.
Neste contexto, houve uma reabilitação das ideias de Thomas Robert Malthus (1766-1834) contidas em sua principal obra: Ensaio sobre o Princípio da População (1798), reabilitação esta que foi denominada de neomalthusianismo. Estas formulações enfatizavam a necessidade da implantação do controle de natalidade nos países pobres. O neomalthusianismo afirmava que o número elevado de nascimentos obrigava o país a desviar recursos para a educação e saúde e não para os recursos produtivos, como transporte, energia, indústria e outros [13].
Esta preocupação com o aumento das taxas de natalidade era o risco representado pelo crescimento desordenado do exército industrial de reserva (crítica já feita por Marx às idéias de Malthus) e, assim, ocorrerem revoltas dos excluídos contra a estrutura econômica vigente. Sob a



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ótica neomalthusiana, o contingente populacional desejado era aquele que supriria a necessidade
de mão-de-obra, havendo claro, uma pequena quantidade excedente para pressionar os salários
para baixo.
Castro realizou uma mudança de escala do nacional, observada em Geografia da Fome, para o mundial, em Geopolítica da Fome. No primeiro, o autor estudou a escala regional brasileira, analisando as características alimentares e as carências delas decorrentes em cada uma das cinco
regiões em que dividiu o país [13].
Já em Geopolítica..., o autor, por meio da ampliação de sua análise para a escala do mundo, procurou dividir a superfície da terra em áreas ricas e pobres, evidenciando o contraste Norte/Sul, demonstrando que o fenômeno da fome era mundial [6].
Esta obra foi traduzida em pelo menos 25 idiomas e foi agraciada com vários prêmios nacionais e internacionais. Tinha como objetivo de analisar os terríveis malefícios que a fome está provocando na sociedade humana. Castro propunha, como objetivo da Geopolítica da Fome, travar uma guerra contra a fome, onde os inimigos a serem derrotados eram as idéias de Malthus, o neomalthusianismo, o determinismo fisiográfico, a monocultura latifundiária e o imperialismo. Neste intento, ele buscava apoio teórico em diversos geógrafos – especialmente franceses -, nos ideais cristãos e, como já tinha feito anteriormente em Geografia da Fome, importou influências marcantes de outras ciências, como a Sociologia e a Economia [13].
Mais uma vez, Castro conta com a influência relevante de Max. Sorre, que era seu amigo e deu sugestões para o trabalho de Castro sobre a cidade do Recife, tornando-se o autor do prefácio à edição francesa de Geopolítica da Fome. Nesta obra, está presente a visão (sorreana) planetária e ecológica do mundo como um organismo vivo e unitário, com suas partes ligadas entre si.
Em sua análise das diversas áreas do mundo, Castro não deixava de lado a estrutura de classes, a influência da religião, da cultura, do processo histórico e, onipresente no livro, estavam as denúncias às injustiças do passado colonial, ao sistema político e à estrutura fundiária. Castro redigiu sobre a fome existente nos Estados Unidos e um capítulo inteiro sobre este fenômeno na Europa.
Em Geopolítica da Fome, o autor alertava ainda para a pequena quantidade de estudos sobre a fome, destacou a importância da interpretação geográfico deste fenômeno (a questão da geopolítica) e como já mencionado, travou uma batalha radical contra o malthusianismo e o neomalthusianismo.
Castro também criticava a teoria – muito aceita por décadas – na qual somente o aumento da produção de alimentos solucionaria o flagelo da fome, pois, segundo o autor, era também necessário que os alimentos pudessem ser adquiridos e consumidos pelas pessoas que deles precisam e assim evitar o binômio: superprodução e subconsumo [6].
Da leitura da Geopolítica da Fome, podem ser destacadas duas linhas principais apontadas por Castro. A primeira se relaciona com a necessidade da superação do tabu da fome (tema comumente omitido pela maioria dos governos do mundo), onde o autor tenta demonstrar como a humanidade sempre sofreu com o drama da fome, não importando a época ou a região do globo. Neste sentido, Castro realiza em todos os capítulos uma retrospectiva histórica do fenômeno da fome para cada região.
A segunda linha principal, já esboçada em Geografia da Fome, é a denúncia das mazelas originadas pelo processo de colonização ao redor do mundo. Castro denuncia o fato de que todas as regiões que passaram pelo processo de colonização (europeu principalmente) sofreram e ainda sofrem com o flagelo da fome.
Não se limitou a diagnosticar a fome no mundo, mas passou também a orientar como se poderia desenvolver a luta pela sua erradicação. Concluiu o livro responsabilizando e condenando o sistema colonial de organização do território, imposto pela expansão da civilização européia no mundo tropical e sugeria a necessidade de se desenvolver uma política de correção dos seus impactos negativos, política esta que entraria em choque com os interesses das grandes potências e das sociais que apoiavam tal estado de coisas [13].






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4. O POSSIBILISMO GEOGRÁFICO NA OBRA DE JOSUÉ DE CASTRO

a) A influência de Vidal de La Blache

A multiplicidade temática contemplada por Josué de Castro associada ao seu pioneirismo e às modalidades de abordagem quase sempre inovadoras, conferiu-lhe distinções como autor plural e/ou matriz à análise e compreensão de alguns aspectos que ‘simbolizam’ a sua contemporaneidade e perduram até hoje. No início de sua trajetória geográfica, fica evidente a influência do pensamento de Vidal de la Blache e do possibilismo na obra de Castro. La Blache, como já foi mencionado, reagiu contra o cego determinismo geográfico da escola de Ratzel e, afirmou com segurança que, das relações que ligam o homem a um certo meio, uma das mais marcantes é exatamente a que transparece quando se estudam os meios de nutrição, temática tão cara a Castro [11].
Na já mencionada obra A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana, de 1937, Castro demostrou que os estudos sobre alimentação em vários países eram tema de análise de várias ciências na tentativa de se estabelecer uma dieta racional baseada em princípios científicos e, nesta obra, estão presentes muitas características da Geografia vidalina.
Na obra em questão, o autor aprofundou os estudos sobre a fisiologia da nutrição, das características físicas e morais do povo dessa região, de sua evolução demográfica, de sua capacidade e resistência orgânicas e também realizou um estudo das condições físicas do meio, das suas condições econômicas, da sua organização social e dos gêneros de vida. Também sempre defendia ser o método geográfico o único eficaz para a análise da questão (da alimentação), visto que para discutir este tema, faz-se necessário abordar vários aspectos da realidade [11].
Segundo o autor, o método geográfico é aquele capaz de sintetizar os diversos conhecimentos, quer sejam naturais ou humanos, que se verificam sobre a superfície da Terra e que um dos motivos pelos quais o problema alimentar ainda não se encontrava solucionado decorria da falta de aplicação do método geográfico ao seu estudo, o que induzia os interessados pela questão a estudar os aspectos parciais, projetando uma visão unilateral do problema.
Só a geografia considera a Terra como um todo, e que ensina a saber ver os fenômenos que se passam em sua superfície, a observá-los, agrupá-los e classificá-los, tendo em vista a sua localização, extensão, coordenação e causalidade, - que pode orientar o espírito humano na análise do vasto problema da alimentação, como um fenômeno ligado, através de influências recíprocas, à ação do homem, do solo, do clima, da vegetação e do horizonte de trabalho. Dentro deste sentido da unidade terrestre [11].
Com estes elementos, Castro utilizou a definição de Emmanuel de Martonne (1873-1955), segundo a qual a geografia é a ciência dos fenômenos físicos, biológicos e sociais, encarados em sua distribuição na superfície do globo, suas causas e relações recíprocas – e que iria estudar geograficamente o problema da alimentação [6].
A influência da geografia vidalina volta a ser sentida claramente quando Castro escreve um breve histórico criticando o determinismo fisiográfico, afirmando que a geografia havia superado a fase de “simples descrição da terra para ser a ciência da terra” e, sobretudo, valorizou a técnica como forma de criação de possibilidades para a adaptação do meio às necessidades do homem.
No artigo Os preconceitos de raça e clima [14], Castro cita novamente La Blache, quando este último afirmou que das relações que ligavam o homem a um certo meio, uma das mais tenazes transparecia quando se estudavam os meios de nutrição. Ainda nesta obra, tentou fazer um histórico do determinismo fisiográfico, desde de Hipócrates, passando por diversos filósofos e pensadores, até chegar às concepções de La Blache, que muito elogiou.
Entretanto, apesar de concordar com as possibilidades que o conjunto de técnicas permitia ao homem, Castro considerava que o mesmo ainda não escapava totalmente da ação da natureza.
Podendo agir e resistir a sua ação direta imediata, como, por exemplo, adaptar-se a ação dos seus fatores meteorológicos. Entretanto, ainda se encontra subordinado à ação indireta da natureza, que se evidencia, especialmente, através do mundo botânico [14].



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Em um determinado ponto de teorizador, Castro percebeu que se a influência da escola francesa, por um lado, auxiliou no seu trabalho, especialmente nas primeiras obras, por outro lado, já estava se tornando um obstáculo para a sua evolução e maturidade, visto que se tratava de uma escola extremamente resistente a novas idéias e conceitos.


b) A influência de Maximilien Sorre

Como sabemos, Max. Sorre era contemporâneo e amigo de Josué de Castro e lhe forneceu sugestões para seus estudos. Sorre defendia que a ciência geográfica era a análise das influências e das interações entre o homem e o meio natural, sustentando o que muitos denominam de possibilismo ambiental [7].
A influência do pensamento de Max. Sorre pode ser sentida quando se estuda o capítulo inicial do livro A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana [11], denominado O estudo fisiológico da alimentação no Brasil, quando afirmava que o estudo da nutrição precisava ser realizado levando-se em consideração as condições clímato-botânicas e a organização econômico-social, ou seja, do complexo ambiente cultural – o meio e o homem, visto que também deveriam ser levados em conta os hábitos dos moradores.
Josué de Castro, nesta mesma obra, destacou a lei da conservação da energia e com conceitos que ajudam na explicação da atração pela ecologia (uma temática tão cara aos estudos de Sorre).
O autor insistia que o chamado padrão universal do metabolismo de base era dos climas temperados e frios, mas não dos quentes, que as médias térmicas teriam que ser analisadas com cuidado, sem isolá-las de outros elementos climáticos e que, as leis que explicavam o mecanismo da ação do clima sobre as plantas não eram, necessariamente, válidas para os seres humanos.
O autor provou que as mazelas que acometiam o povo brasileiro ocorriam também em outras latitudes e em áreas nas quais não aconteceram mestiçagens com a raça negra, apontada pelos racistas como inferior. Para Castro, o estado de pobreza e seus males seriam resultantes da organização econômico-social [6].
Castro, ao analisar a influência do clima, afirmou que o calor não era nem mais nem menos adequado que o frio e, com base na ciência, o clima mais apto seria o tropical, pois o homem era um animal de climas quentes que, ao longo do tempo, adaptou-se ao outros tipos de clima.
Enumerou várias civilizações do passado (asiáticas, americanas e africanas) todas elas geograficamente localizadas no domínio tropical, com o intuito de provar que a hegemonia das zonas temperadas ocorria apenas naquele momento histórico [6].
É importante ressaltar que, possuindo formação de médico, Castro tendia a analisar os problemas sociais dentro de um contexto de raízes biológicas, ou seja, apesar de não aderir ao biologismo social, o autor muitas das vezes, analisava a sociedade seguindo um modelo organicista, muito utilizado por geógrafos como Elisée Reclus e Max. Sorre.
Esta visão organicista está presente no livro Ensaios de Geografia Humana [15], em que Castro comparava o ciclo vital das cidades. Esta era visto como um organismo vivo, sem considerar as causas sociais e as estruturas das classes sociais. Como exemplo desta orientação, Castro explicava os índices de natalidade, segundo o princípio biológico da teleonomia, que é a propriedade que todos os sistemas vivos possuem a fim de executarem as suas funções em ritmo e dinâmica que maximizem a sobrevivência do indivíduo e, sobretudo, da espécie.
Geralmente, quando uma espécie está ameaçada de extinção, aumenta a sua capacidade reprodutiva, como pode ser exemplificado o fato de que só nas temporadas das grandes secas na China, o bambu floresce notavelmente, para preservar a espécie ameaçada. Dessa forma, segundo o autor, os altos coeficientes de natalidade dos países subdesenvolvidos obedecem à mesma lei biológica e, na hipótese das estruturas econômicas mudarem, e caso a alimentação se torne adequada, constatar-se-á natureza agir ‘teleonicamente’, fazendo baixar os índices de natalidade, fato que ocorreu em todas as áreas de alto nível de vida no planeta [11 e 15]. No livro Geopolítica da Fome, outra vez a influência de Max. Sorre pôde ser sentida. Ao combater o malthusianismo, o determinismo fisiográfico, a monocultura latifundiária e o



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imperialismo, Castro se apoiava tanto em concepções cristãs, quanto em diversos geógrafos, especialmente nas obras de Max. Sorre.
Além disso, Sorre buscava explicações nos diferentes ramos do conhecimento, fato que fazia dele um grande defensor da unidade da Geografia, de sua interdisciplinaridade e da necessidade de colaboração (e não de disputa) entre as ciências. Assim, a visão ecológica de Sorre apresentava o mundo como um organismo vivo e unitário, com suas partes ligadas entre si, algo muito semelhante ao que Castro apresentava constantemente em Geopolítica da Fome [13].
Assim, segundo Castro, se uma região estivesse sofrendo com a fome, todo o mundo sentiria as conseqüências. Sem dúvida alguma, as obras vidalinas e sorreanas auxiliaram e muito o trabalho geográfico de Josué de Castro. De Sorre, pode-se constatar a confiança no poder da ciência e da técnica na erradicação da fome, vista como uma outra obra do homem.


5. CONCLUSÃO

Este artigo teve como objetivo principal demonstrar de que forma as idéias e conceitos da Escola Francesa de Geografia, notoriamente de seus maiores expoentes – Vidal de La Blache e Max. Sorre - influenciaram o pensamento de Josué de Castro, um médico que utilizou o conhecimento geográfico para compreender uma temática que muito lhe incomodava: a fome, no Brasil e no mundo [1].
Pôde-se constatar, neste sucinto resumo de sua vida e obra, que é muito difícil apreender, em sua totalidade, as correntes ou diretrizes teórico-metodológicas que influenciaram a produção intelectual de Castro. Entretanto, no âmbito da Geografia, tornou-se evidente a aproximação do pensamento vidalino e sorreano nas diferentes fases de seu trabalho [1].
Na análise de sua vasta obra, a primeira observação necessária foi sua formação e atuação médica na década de 1920. Este fato fez com que existisse, nessa fase, uma tendência, por parte do autor, a uma naturalização de certos fenômenos sociais, embora Castro sempre contestasse tal relação. Procurou sempre mediatizar a determinação biológica e relacionar o fator biológico com o social e isto o foi aproximando cada vez mais da Geografia, no sentido de estudar as relações entre o meio natural e o homem.
Este autor adotou conceitos e idéias da Geografia, sempre salientando a importância do método geográfico e a influência de pensadores geógrafos para compreender a realidade “produtora de fome”. Tal método obrigava-o a interpenetrar as grandes formulações científicas com as observações de campo. Interpenetração que impedia, ao contrário do que ocorria com outros grandes pensadores, de ser levado à alienação, à formulação de projetos elaborados em outras regiões para a realidade do Brasil e do mundo dito subdesenvolvido. Daí ter procurado sempre captar os desafios brasileiros para elaborar projetos que procurassem encaminhar soluções viáveis para superá-los.
É possível verificar que o trabalho de Castro apresentava divergências com o grupo de neutra, deixando as questões políticas e econômicas a cargo dos sociólogos e economistas.
Os estudos castrinos percorreram o caminho de uma geografia médica vidalina “pura” (acrítica), até assumir uma postura engajada, de denúncia das desigualdades econômico-sociais, obtida graças a incursões realizadas em outras ciências sociais (como a Sociologia e a Economia), bem como pela influência da Ecologia Humana de Max. Sorre, que aperfeiçoou os conceitos adotados pela Escola Francesa de Geografia [13].
O legado de Castro, por tratar de forma tão incisiva a questão das disparidades sócioespaciais, certamente ultrapassou e muito o campo do saber da ciência geográfica. Assim, podemos dizer que Castro desempenhou um notável papel na modernização e difusão da geografia no Brasil. Defendia ele que a ciência geográfica deveria ir além da mera descrição e enumeração de fenômenos naturais e culturais existentes na superfície terrestre [1].
A Geografia da Fome, apesar de manter muitos dos padrões possibilistas, demonstra a fome como um produto histórico-social e não de condicionantes naturais. Nesta obra, o homem não é encarado como sujeito passivo, e sim como sujeito produtor do seu espaço, sendo este

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considerado produto das relações que se dão entre a sociedade e o meio, e entre opressores e oprimidos [12].
Castro utilizou o princípio da analogia de Karl Ritter e, mais uma vez, o tão valorizado método geográfico para elaborar aquela que seria a sua próxima antologia, a Geopolítica da Fome, em 1951. Se em Geografia da Fome, o autor chocou o Brasil ao revelar a realidade da miséria nacional, em Geopolítica da Fome, Josué alterou a escala de análise para denunciar o problema no mundo inteiro. Assim, regionalizou o mundo partindo de uma analogia com a regionalização feita em Geografia da Fome [13].
Tornar pública a existência da fome através da denúncia de suas causas e conseqüências foi o grande objetivo destas duas obras maiores de Josué de Castro, a primeira, Geografia da Fome, e a segunda, Geopolítica da Fome. A diferença teórico-metodológica é praticamente nula entre ambas, sendo a escala de análise a principal modificação de uma para a outra [12 e 13]. Castro deixou uma vasta obra e muitos sonhos. Para ele, sonhar com um outro mundo, não era sinônimo de fuga, mas sim, o ponto de partida da construção do novo. Realizando uma reflexão ampla dos fatos históricos, podemos constatar que nem toda a idéia resulta em uma ação imediata e, muitas delas podem ressurgir, mesmo que de forma alterada, em um outro momento da história. Josué de Castro foi o que se poderia denominar de intelectual engajado, no sentido de ser ele uma pessoa que buscava compreender o mundo, objetivando a produção de idéias fundamentais para a transformação do mesmo [1].
Para a história do pensamento geográfico brasileiro sua contribuição foi decisiva. Sua obra apresenta um rico debate com diversos geógrafos, em especial com os da Geografia Francesa, e, por vezes, é possível apontar para avanços teóricos realizados pelo autor no sentido de uma Geografia possuidora de uma postura mais crítica e ativa frente à realidade brasileira e mundial [1].
Destarte, para Castro, a finalidade da Geografia Médica é criar relações entre ambiente natural humanizado e saúde, bem como destacar o papel da nutrição como um elemento fundamental para a manutenção da dignidade, da saúde e a prevenção de enfermidades. Mais do que isso, Castro destaca a própria nutrição sendo influenciada pelos produtos regionais, ou seja, do próprio meio [16].
Para concluir, pensamos que a contribuição da obra de Josué de Castro para a Geografia Médica brasileira foi, em primeiro lugar, destacar que os fenômenos da fome e da má-nutrição não são produzidos pela natureza, mas sim, por um sistema político-econômico desigual, forjado historicamente. Um segundo ponto, foi a ruptura da obra castrina com o possibilismo vidalino, sendo auxiliado, para tanto, por idéias de outras ciências, como a Sociologia, a Economia etc. epelo pensamento da “Ecologia Humana”, desenvolvido pelo geógrafo francês Max. Sorre [1].



1. VIEITES, R.G. A influência de Maximilien Sorre e Vidal de La Blache na Geografia Médica de
Josué de Castro. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2008, 111 fls.
2. CARVALHO, A.A.T. Josué de Castro: um geógrafo de múltiplas contribuições revisitado em suas
idéias. São Paulo. USP, (2002). Disponível na Internet:
. Acesso em: 24 jan. 2006.
3. MORAES, A. C. R. Geografia - Pequena História Crítica São Paulo: Hucitec, 138 p. (1999).
4. GOMES, P. C. C. Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 368p. (2003).
5. SORRE, M. Los Fundamentos Biológicos de La Geografia Humana. Ensayo de una Ecologia del
Hombre: Concusion. In: MENDOZA, J. G.; JIMÉNEZ, J. M.; CANTERO, N. O. (Org.) El
pensamiento geográfico: Estudio interpretativo y antología de textos (De Humboldt a las tendencias
radicales), Madrid: Alianza Editorial: 267-274 (1982).
6. CAMPOS, R. R. A dimensão populacional na obra de Josué de Castro. Tese de Doutorado do
Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista , 2004. 430 f.
7. SORRE, M. A noção de gênero de vida e sua evolução. In: MEGALE, J. F. (Org.) Max .Sorre:
Geografia, Rio de Janeiro: Editora Ática: 99-123 (1984).
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8. SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: EDUSP, 384
p (2002).
9. SANTOS, M. Metamorfoses do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, (1997).
10. GARCIA, C. O que é Nordeste Brasileiro. São Paulo: Brasiliense, (1984).
11. CASTRO, J. A alimentação brasileira à luz da Geografia Humana. Porto Alegre: Livraria do
Globo, (1937).
12. CASTRO, J. Geografia da Fome. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 318p. (2001).
13. CASTRO, J. Geopolítica da Fome: ensaios sobre os problemas de alimentação e população. São
Paulo: Brasiliense, (1968).
14. CASTRO, J. Documentário do Nordeste. São Paulo: Brasiliense, (1957a).
15. CASTRO, J. Ensaios de Geografia Humana. São Paulo: Brasiliense, (1957b).
16. EHARALDT, A. Aplicabilidade da Geografia na Área Médica e Nutricional: O Custo da Cesta
Básica X Renda Familiar e a Mortalidade Infantil. Monografia de Graduação em Geografia do
Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1999, 87 fls.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

ESPECIAÇÃO NA ANTROPOGEOGRAFIA DE FREDERICO RATZEL



ESPECIAÇÃO NA ANTROPOGEOGRAFIA
DE FREDERICO RATZEL1



Nilson Cortez Crocia de BARROS2

RESUMO

O trabalho discute as influências da biologia e da antropologia no desenvolvimento da proposta da antropogeografia de Frederico Ratzel. Atenção central é dedicada às idéias de mecanismos de especiação ou diferenciação (biologia) e progresso/mudança cultural (antropologia/história). Influências da filosofia holística e histórica alemã na antropogeografia de Ratzel são indicadas.

Palavras-chave: Ratzel, antropogeografia, história da geografia.


ABSTRACT

The work discusses the role exerted by biology and anthropology upon the development of Ratzel’s anthropogeography. Particular attention is paid at the ideas of mechanism of speciation (biology) and cultural evolution (anthropology/history). Influences from the historical and holistic German philosophy upon Ratzel’s proposal are also indicated.

Key words: Ratzel, anthropogeography, history of geography.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta aspectos do debate histórico-naturalista em torno do fenômeno da especiação ou diferenciação. De forma concisa, este debate revela que o método comparativo para ordenar tipológica ou classificatoriamente as diferenças estava assentado na prática científica. O problema que restava – e que foi enfrentado por Darwin – era o de identificar qual o motor para estas diferenciações ou especiações. Ratzel construirá sua antropogeografia a partir destas discussões. Examinar esta experiência decisiva para a construção da geografia moderna é o objetivo do presente trabalho.
Ratzel inspirou-se num contexto de idéias ousadas e originais (biologia evolucionista/ecologia) para propor a investigação das influências do meio sobre as experiências de evolução cultural/histórica dos povos, sobre as possibilidades culturais humanas e suas diferenciações no espaço. Esta proposta significou uma interpretação secular das circunstâncias do progresso que superava a visão teológica – tão cara a Carl Ritter – da Terra perfeita para o Homem, ou da Terra na perspectiva da Providência. Como o afirma Gomes, a Providência foi substituída “... por uma causalidade oriunda da própria natureza...” (GOMES, 2000).

1 Texto resumido do artigo integral publicado com o título “Especiação, Região, Progresso e política cultural na antropogeografia de Frederico Ratzel”. In: Geografia. v. 31, n. 3, p. 455-468. Rio Claro, AGETEO/UNESP.
2 Universidade Federal de Pernambuco. Professor de Geografia. E-mail: nccrocia@ufpe.br.

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O papel de Moritz Wagner na criação científica de Ratzel está longe de ter se resumido à influência da mão amiga que lhe proporcionou o primeiro emprego na carreira docente (1875). Wagner estava envolvido intensamente e de maneira muito polêmica nas discussões relativas aos mecanismos de especiação, isto é, os mecanismos mediante os quais operava-se a diferenciação das espécies. Acreditava ele dar mais importância ao mecanismo isolamento após uma espécie migrar para um novo habitat como mecanismo de especiação – apesar de Charles Darwin lhe ter afirmado expressamente o contrário em carta que lhe enviou!!! – que o lendário pesquisador das Ilhas Galápagos (SULLOWAY, 1979).
O conhecimento destas discussões, que Ratzel como zoologista de formação e por ser pessoa muito próxima a Wagner estava perfeitamente a par, levaram-no a amplificar e transpor o conceito da migração zoológica para “o de difusão e diferenciação de culturas e de traços culturais” (SAUER, 1971), efetivamente sua contribuição para erigir a geografia como campo disciplinar da interpretação da diferenciação dos padrões e da dinâmica cultural das áreas ou regiões ou paisagens.


2. MUDANÇA (TEMPO), ECOLOGIA (ATIVIDADE DO MEIO) E COMPETIÇÃO (AUTOMOTOR)

Especificamente para a edificação da Geografia moderna e, portanto, para o pensamento de Ratzel e dos geógrafos que o sucederam, estas idéias (tempo, meio ativo e automotor) foram identificadas analiticamente por Stoddart (1966) como três das influências darwinianas sobre a geografia: 10) a idéia de mudança através do tempo ou evolução e desenvolvimento, isto é, a idéia de que as formas transitam no tempo das formas mais simples para as mais complexas; 20) a idéia da combinação ou da associação ou da estrutura organizacional de um conjunto vivo orgânico do qual o homem era parte (ecologia, meio compósito); e 30) a idéia da seleção natural. Estas três idéias foram empregadas por Ratzel para dar conta da diversificação das paisagens culturais e das sociedades.

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2.1. Tempo e evolução


As influências da idéia de mudança através do tempo foram decisivas em Ratzel, entraram na geografia e se difundiram pelo mundo acadêmico. A proposta do ciclo de erosão do norte-americano W. Morris Davis (1850-1933) – adotada com entusiasmo na França segundo Meynier (1969) –, ou, mais amplamente, dos modelos muito gerais da evolução orgânica da paisagem cultural ou da região na geografia clássica regional são exemplos da influência do evolucionismo darwiniano. A influência de Davis nos estudos geomorfológicos realizados na própria Alemanha, onde esteve em programa de intercâmbio (1908-1909) sob o suporte de Penck, foi extraordinária. Esta influência foi auxiliada pela tradução dos seus textos para o alemão por jovens geógrafos encantados pelo holismo evolutivo e coerência lógico-metafísica – parece uma imaginação especialmente apreciada pelos jovens universitários – da sua fisiografia (VALKENBURGH, 1967).

2.2. O meio compósito

A idéia da associação entre os componentes identificados de um meio ou ecologia – princípio metodológico de investigação ao qual Ernest Haeckel oferecerá fundamentação – tornar-se-á uma “idéia tenaz nas pesquisas geográficas” (HOLT-JENSEN, 1988) de Ratzel, e na edificação da geografia moderna. Não custa lembrar a posição central da visão ecológica humana na geografia de Cholley com a idéia do estudo da combinação (CHOLLEY, 1942) entre os geofatores para o entendimento da totalidade regional. Frederico Ratzel, quando ele vê o conjunto do estado como um organismo atrelado a terra, evidencia a influência recebida de Darwin e Haeckel, uma influência expressa também no conceito lablachiano de meio compósito e orgânico regional (LA BLACHE, 1954).
Guy Mércier (1995) demonstra a convergência conceptual quanto à compreensão de região e estado entre La Blache e Ratzel. E a visão orgânica da região apresenta-se em forma cristalina na ecologia humana de Barrows (1923) e Whitlesey (1929), e estende-se até à idéia de sistemas como observaram Stoddart (1965), Andrade (1982), Monteiro (2000), Santos (2002), Bezzi (2004) e outros. Mas pode-se também acreditar que o holismo de Frederico Ratzel possui ramificações mais amplas e não adveio apenas da emergente ecologia de Haeckel, mas sim de ramificações filosóficas, apesar de Ratzel ter sido aluno de Ernest Haeckel – o grande divulgador do pensamento de Darwin (LIVINGSTONE, 1992) – na Universidade de Jena em 1869, e tendo dele se tornado um admirador.

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Holt-Jensen argumenta que embora seja a idéia de associação uma analogia de clara influência biológica, ela nos remete às raízes da filosofia idealista alemã, tendo Carl Ritter e Humboldt empregado esta idéia de todo, idéia presente também em Hegel e Marx. Talvez sem os exageros do organicismo de Carl Ritter, a idéia do todo ou totalidade como aspiração de resultado na representação científica permanecerá. A abordagem ecológica, isto é, a identificação e associação dos elementos que compõem o meio tornar-se-á o exercício metodológico da geografia moderna através dos estudos programados para reconstruírem a síntese regional. Daí gerava-se o produto monografia regional, esta definida como uma “impressão total” (DINIZ, 1984) da paisagem ou região, ou, na expressão de Koelsch, uma “real-world holistic region” (KOELSCH, 2001), que depois veio a ser considerada muito obscura na perspectiva do neopositivismo. Este é um dos significados do conceito de região, ou zona, ou área ou paisagem.
Metodológica e tecnicamente, a noção de gênero de vida que foi sistematicamente apresentada por Sorre (1984) ofereceu o mecanismo de esclarecimento da associação entre os elementos do meio e o homem, e da sua adaptabilidade, idéia esta tão cara a Ratzel e aos estudos de ecologia cultural contemporâneos, como o de Morán (1990). Pode-se pensar que, na análise das sociedades tradicionais, a eficácia operacional do conceito de gênero ou modo de vida contrariaria a suposta excessiva obscuridade apontada pelos neopositivistas para uma reconstrução mais integral do conteúdo regional ou das paisagens.

2.3. O automotor nas diferenças culturais

A idéia da luta e da sobrevivência das espécies remetia para o campo secular – passível das observações, que incluía registros e coletas de materiais – a busca das explicações para a dinâmica diferenciadora da história natural e cultural. Fomes, mortes, guerras, populações ultrapassando os limites da oferta de recursos, tudo isto lançava sombras pouco edificantes sobre o Éden das origens humanas e dúvidas sobre a existência de uma condução teleológica dos domínios da natureza e da sociedade humana. Darwin, na realidade, foi decisivamente influenciado pela leitura da obra de Malthus (1970) sobre os limites do crescimento populacional, limites que o homem teria ele mesmo que racionalmente reconhecer para viver melhor.
Fosse dum todo regional ou nacional – horizontal – ou das suas partes (fatores, agentes, verticalidades), a dinâmica seria interpretada a partir das evidências materiais observadas e colhidas na própria natureza e na cultura (naturalismo, positivismo), e não mais através das causas finais. A categoria causa erode-se no seu aspecto finalístico (teleológico) e se fortalece como ferramenta analítica na análise da combinação ou influência entre fatores. Regularidades nas relações causais – relações vistas normalmente de forma linear – entre o meio físico, biológico e humano são procuradas, dando campo às discussões sobre determinismo físico e possibilismo cultural. É neste particular que a capacidade de adaptação – revelada em um complexo de técnicas e artefatos, crenças e costumes – adquirem significado. Difusões de técnicas, crenças e costumes facilitam conhecimentos culturais adaptativos ao meio e propiciam progresso às populações humanas.

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3. O QUE, PARA FREDERICO RATZEL, ESPECIAVA OU DIFERENCIAVA UMA ÁREA CULTURAL?


3.1. Antropogeografia como externalismo

Para o evolucionismo, o papel da pesquisa etnográfica tornou-se crucial, uma vez que através dos artefatos e registro dos costumes é que se estabelecia a posição (o padrão) de cada grupo social vivo ou extinto na classificação evolutiva geral da espécie humana, uma longa escada no ápice da qual estaria a civilização européia urbana-industrial. A pergunta era: de que maneira os artefatos e costumes culturais – os artefatos de trabalho, as armas da guerra e da caça, as habitações, os utensílios em geral e os materiais empregados na sua confecção, os padrões alimentares, as crenças, os comportamentos migratórios, políticos, os sonhos, etc. – expressavam os meios geográficos de onde haviam sido coletados ou onde haviam sido observados?
De que maneira estes artefatos também expressavam, por outro lado, as chances dos contactos interculturais? Ou, dizendo-o de outro modo, expressavam as difusões nos limites do alcance (range) de determinada zona cultural? O interesse antropológico se espalhou pelos estudos geográficos na Alemanha, e Ratzel foi um exemplo de destaque ao propor uma via geográfica ou terrestre ou territorial para as interpretações das diferenciações na evolução e nos padrões culturais (antropogeografia) dos povos. A sua contribuição se deu com a idéia das difusões geográficas como mecanismo das diferenciações ou variabilidades dos padrões culturais. As diferenciações de área do ponto de vista dos padrões culturais não seriam propriamente produzidas pelo determinismo rude das condições geográficas in situ sobre a cultura. Para Ratzel, o princípio da difusão possuía ascendência sobre o das invenções paralelas na inovação e mudança culturais (SAUER, 1952). Isto é, meios geográficos iguais não produziriam necessariamente os mesmos padrões culturais.

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Ratzel, como outros dos seus contemporâneos, acreditava que a capacidade de invenção humana era muito limitada, e por isto a evolução dos grupos sociais advinha realmente das difusões pelas zonas ou regiões culturais das invenções que teriam se realizado a partir de uns poucos centros culturais difusores (MORÁN, 1990). O meio biofísico exercia sim influência (rios, oceanos, montanhas, florestas, etc.), mas na medida funcional em que favorecia ou dificultava as possibilidades dos contactos difusores dos traços culturais entre as populações distribuídas no espaço. A crítica da antropogeografia às invenções paralelas em sítios diferentes corroia também a idéia simples da evolução por sucessão dos estágios de cultura (SAUER, 1952).
Os internalistas. As teorias ou generalizações interpretativas acerca das diferenças registradas nos padrões culturais das populações no mundo ofereciam um espectro muito variado e ousado. Gobineau, nos meados do século 19, considerava a raça - agente biológico interno – o determinante das diferenciações culturais, de maneira que não obstante em um meio ambiente muito favorável, a determinação interna (racial) prevaleceria nas possibilidades evolutivas culturais de um grupo populacional. Para ele, a maioria das raças não ascenderia ao estágio de civilização. Chamberlain, no final do século 19, definia o estoque racial teutônico como o proeminente, e Lapouge, ao mesmo tempo, propunha uma escala racial das populações européias no ápice da qual – com o seu empreendedorismo e individualismo – estaria o nórdico protestante dolicocéfalo; em seguida viria o tipo intermediário (o católico alpino de crânio arredondado, obediente ao governo e pouco empreendedor), que por sua vez era ainda assim superior ao tipo mais baixo e de pele escura característico do ambiente mediterrâneo (DICKINSON, 1969).
Migração, adaptação e progresso. Definem-se então, na interpretação das possibilidades de mudança e progresso social, duas interpretações opostas: internalistas (biológicos), de um lado; e externalistas (ambientalistas) do outro. Na sua Antropogeografia, Ratzel critica duramente a teoria do gene de Gobineau para explicar a decadência de povos localizados na plena fartura provida por excelente meio natural (Ratzel: coletânea...p. 45). Para Ratzel, o foco das explicações das variações nos padrões culturais era o espaço, a terra, o meio, o teatro da história, e particularmente os empréstimos de características culturais mediante as difusões/migrações neste espaço, não o interior biológico do homem (gene). Conforme observa Livingstone, a antropogeografia de Ratzel estava distante do arianismo de Gobineau ou do purismo camponês racial de Lapouge (LIVINGSTONE, 1992).

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Império e civilização poderiam se propagar, segundo Ratzel. As circunstâncias mais importantes para a fixação do caráter (padrão) dos povos e das suas possiblidades culturais evolutivas – o que era uma questão essencialmente eurocêntrica ou projetada pelo sítio cultural do universo europeu – eram o meio geográfico e a adaptabilidade demonstrada pelo estoque da população. Estas experiências adaptativas poderiam ser adquiridas e transmitidas (aprendidas) no curso da evolução histórica, e não seriam geneticamente determinadas para sempre (raça, gene) como propunha Gobineau.
Através de problemas e críticas na biologia e na teoria da evolução Ratzel posicionou a Geografia no campo das discussões sobre a dinâmica dos padrões culturais e das sociedades no contexto da expansão demográfica, econômica, política e cultural européia pelo mundo. Difícil não reconhecer a natureza otimista da sua visão histórica. A geografia trabalharia suas interpretações a partir dos fatores externos desta dinâmica (meio geográfico e difusões) (Antropogeografia, in Ratzel: coletânea...p. 42, 54 e outras; LIVINGSTONE, 1992) para entender as variações culturais e demográficas (regiões culturais como tipos de especiações), e esta proposta significava uma via alternativa às explicações raciais/genéticas.
Um novo meio, a adaptabilidade, as migrações e a urbanização, esta como o cume da civilização, ocuparam posição central nas reflexões de Ratzel; os prenúncios disto estão registrados no que escreveu da sua viagem aos Estados Unidos (RATZEL, 1988). Impressionou-o a facilidade com que cada inovação técnica na agricultura americana chegava – difundia-se – até a mais distante e aparentemente isolada das propriedades rurais, em função da eficiente infra-estrutura de comunicações que facilitava a adaptação dos imigrantes europeus a um novo e vasto mundo. Impressionou-o também o papel exercido por Nova York como artefato funcional metropolitano e difusor: “... cada nova estrada de ferro... linha de vapor que se inaugura neste país fortalece a posição da cidade como metrópole desta porção do mundo... Até onde é possível se imaginar o futuro nesta terra, o que se vê é somente progresso e prosperidade” (RATZEL, 1988). Na Flórida, onde também esteve, viu positivamente a expansiva criação dos resorts turísticos para as populações do Norte frio do país, que ali chegavam por eficientes linhas de navios ou ferrovia.
Malinowski considerava Ratzel como um dos pioneiros da teoria das difusões e influenciador do difusionismo de Franz Boas (1858-1942) (MALINOWSKI, 1962 citado por MORAES, 1990), Boas um antropólogo claramente cultural e anti-determinista, e que expressa suas opiniões – após pesquisas com os Esquimós – sobre a Geografia no célebre

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artigo intitulado The Study of Geography (BOAS, 1996). O deslocamento de Boas, do lado mais determinista da antropogeografia para o lado mais cultural e difusionista, acontece depois dos seus estudos sobre os Esquimós, quando passa a doutrinar que o ambiente não é determinante, mas sim um fator que o homem se utiliza segundo sua herança cultural (MORÁN, 1990). Neste sentido, e por mais estranho que possa parecer, e realmente é, o homem cria o seu meio.


4. CONCLUSÕES


A habilidade comunicativa de Ratzel reuniu os campos discursivos de duas emergentes disciplinas sistemáticas: a biologia evolucionista e a antropologia humana. A questão, na biologia, era oferecer uma explanação para o fato de as espécies se diferenciarem, surgindo daí novos tipos. Na antropologia, a discussão girava também em torno das explicações para as diferenças culturais constatadas entre os povos e lugares, não obstante uma origem humana única. Frederico Ratzel fez um encontro entre os mecanismos de especiação ou diferenciação externos – migrações/difusões, meio geográfico – e o reconhecimento tipológico areal (zonas ou regiões culturais) das diferenças nos padrões culturais dos povos pelo mundo.
Se a geografia encontrava-se ameaçada em seu prestígio pelo desenvolvimento autônomo das disciplinas sistemáticas que haviam estado sob sua abrangência – Humboldt é reconhecido como o último dos sábios enciclopédicos –, Ratzel na sua proposta drena do enciclopedismo que era justamente a desvantagem da Geografia o recurso do encontro dos discursos multidisciplinares. Desta forma a geografia encontra no estudo integrado das relações cultura/meio ou homem/meio, isto é, na ecologia humana ou na antropologia geografizada, sua legitimação no ambiente acadêmico. Foi certamente o holismo característico da denominada filosofia universitária alemã o formato mais geral que levou Ratzel a fundir zoologia e antropologia. Esta episteme fincou raízes na disciplina no começo do século vinte.
Charles Darwin, Moritz Wagner, Franz Boas, Frederico Ratzel e outros, todos cooperaram no salto para além dos limites dos outputs tipológicos/taxonômicos que o método positivo-comparativo poderia oferecer. A proposta na perspectiva têmporo-espacial de entronizar as difusões geográficas – processo de base no mecanismo dos empréstimos culturais – como o fator principal das diferenciações dos padrões das paisagens culturais é um esforço de interpretação inteligente e criativo que representa uma reação teórica ao imenso volume dos materiais culturais observados, colhidos e classificados até então. Um corolário conceitual da idéia das difusões é o conceito de centro/periferia que acompanha a geografia desde Carl Ritter, encontra clara definição na Geografia antropológica de Ratzel e assume papel de destaque na new geography.

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5. REFERÊNCIAS

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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

História resumida da Geografia




HISTÓRIA DA GEOGRAFIA

Considerada por alguns como uma das mais antigas disciplinas acadêmicas, a geografia surgiu na Antiga Grécia, sendo no começo chamada de história natural ou filosofia natural.

Grande parte do mundo ocidental conhecido era dominada pelos gregos, em especial o leste do Mediterrâneo. Sempre interessados em descobrir novos territórios de domínio e atuação comercial, era fundamental que conhecessem o ambiente físico e os fenômenos naturais. O céu claro do Mediterrâneo facilitava a vida dos navegantes gregos, sempre atentos às características dos ventos, importantes para sua navegação em termos de velocidade e segurança. Sobre tais experiências, os gregos deixaram para as futuras gerações escritos que contavam a sua vivência geográfica. Estudos feitos acerca do rio Nilo, no Egito, detalhavam, entre outras coisas, seu período de cheia anual.

No século IV a.C., os gregos observavam o planeta como um todo. Através de estudos filosóficos e observações astronômicas, Aristóteles foi o primeiro a receber crédito ao conceituar a Terra como uma esfera. Em sua especulação sobre o formato da Terra, Strabo acabou escrevendo um obra de 17 volumes, 'Geographicae', onde descrevia suas próprias experiências do mundo - da Galícia e Bretanha para a Índia, e do Mar Negro à Etiópia. Apesar de alguns erros e omissões em sua obra, Strabo acabou tornando-se o pai de geografia regional.

Com o colapso do Império Romano, os grandes herdeiros da geografia grega foram os árabes. Muitos trabalhos foram traduzidos do grego para o árabe. Ocorreram, no entanto, a partir daí, algumas regressões: após o ano de 900 d.C., as indicações de latitude e longitude já não apareciam mais nos mapas. De todo modo, os árabes acabaram recuperando e aprofundando o estudo da geografia, e já no século XII, Al-Idrisi apresentaria um sofisticado sistema de classificação climática. Em suas viagens à África e à Ásia, outro explorador árabe, Ibn Battuta, encontrou a evidência concreta de que, ao contrário do que afirmara Aristóteles, as regiões quentes do mundo eram perfeitamente habitáveis.

Já no século XV, viajantes como Bartolomeu Dias e Cristóvão Colombo redescobririam o interesse pela exploração, pela descrição geográfica e pelo mapeamento. A confirmação do formato global da Terra veio quinze anos mais tarde, em uma viagem de circunavegação realizada pelo navegador português Fernando Magalhães, permitindo uma maior precisão das medidas e observações.

Grandes nomes se empenharam no estudo das várias áreas da geografia. A geografia social, por exemplo, recebeu a dedicação de nomes como Goethe, Kant, e Montesquieu, preocupados em estabelecer em seu estudo a relação entre a humanidade e o meio ambiente. A geografia recebeu novas subdivisões, entre as quais, a geografia antropológica e a geografia política.

Por volta do século XIX, surgia a Escola Alemã, apresentando o determinismo, que suportava a idéia de que o clima era capaz de estimular ou não a força física e o desenvolvimento intelectual das pessoas. Assim, afirmava que nas zonas temperadas a civilização teria um desenvolvimento mais elevado do que nas quentes e úmidas zonas tropicais. Já nos anos 30, a Escola Francesa lançava o possibilismo, que afirmava que as pessoas poderiam determinar seu desenvolvimento a partir de seu ambiente físico, ou seja, sua escolha, determinaria a extensão de seu avanço cultural.

Chegaram os anos 60 com todas as suas revoluções, e o desejo de fazer da geografia um estudo mais científico, mais aceito como disciplina, levaram à adoção da estatística como recurso de apoio. No final da década, duas novas técnicas de suma importância para a geografia começavam a ser desenvolvidas: o computador eletrônico e o satélite, dando nova ênfase à disciplina.


STRABO

(n.c. 63 a.C. - m.c. 24 d.C.)

Geógrafo e historiador grego, nasceu em Amaseia, Pontus (agora Amasya, Turquia). Strabo começou seus estudos com Aristodemus e em 44 a.C. foi para Roma estudar com Tyrannion, ex-professor de Cícero. Antes de deixar Roma ele concluiu sua monumental obra de 43 volumes intitulada 'Esboço Histórico' da qual só sobraram pedaços. Em 31 a.C. Strabo começou suas viagens na Europa, Ásia e África, tendo viajado quase todo o mundo conhecido da época, ele voltou a Roma em 17 d.C. e escreveu seu mais importante trabalho de 17 volumes intitulado 'Geographicae' (ou Geografia). Esta foi a primeira vez que surgiu a palavra Geografia. Os volumes parecem mais o que hoje conhecemos como guias e eram escritos para uso militar. Esta obra é o principal documento daquela época conservado inteiro (com exceção de partes do volume sete) até os dias de hoje.


ERATOSTHENES

(n.c. 276 a.C. - m.c. 196 a.C.)

Matemático, astrônomo, geógrafo e poeta grego, nasceu em Cyrene (agora Shahhat, Líbia). Em 240 a.C. ele se tornou bibliotecário-chefe da Biblioteca de Alexandria, ficando responsável na sua época pelo maior acervo sobre o conhecimento humano até sua data. Eratosthenes é mais conhecido hoje pelo seu preciso cálculo da circunferência da Terra (erro de menos de 5%) numa época aonde não se acreditava que a Terra seria redonda. Para chegar a tais cálculos Eratosthenes empregou seus conhecimentos de astronomia para determinar a latitude de Assuã e Alexandria no Egito, e mediu a distância entre elas, tendo notado que a imagem da sombra de uma torre de igual altura em Aswan e Alexandria tinha diferentes comprimentos numa mesma hora do dia, ele chegou a conclusão que a Terra era redonda e calculou com seus dados a sua circunferência. O seu mais importante trabalho foi um tratado sistemático sobre geografia; após ficar cego com quase 80 anos se suicidou por inanição.


PTOLOMEU

(também Claudius Ptolomaeus)

(c. 100-70 d.C.)

Astrônomo e matemático grego, viveu em Alexandria, Egito e era cidadão romano. Seu primeiro trabalho e o mais importante foi o 'Almagesti' (Grande Obra), traduzido para o árabe 500 anos depois. Nesta obra ele propunha o sistema de geocentrismo o qual descrevia a Terra no centro do universo com o sol, planetas e as estrelas rodando em círculos ao seu redor. Este trabalho de Ptolomeu influenciou o pensamento astronômico durante mais de mil e quinhentos anos até ser substituído pela teoria heliocêntrica de Copérnico. Para a geografia sua mais importante obra foi 'A Geografia', uma tentativa de mapear o mundo conhecido da época, que listava latitudes e longitudes de locais importantes acompanhadas de mapas e uma descrição de técnicas de mapeamento. Nesta compilação Ptolomeu pegou dados seus e de Hiparco, Strabo e Marinus de Tiro. Mesmo com informações imprecisas este trabalho foi a principal ferramenta de orientação geográfica até o fim da renascença.



HUMBOLDT, FRIEDRICH W. H. ALEXANDER VON


Geógrafo, naturalista e explorador alemão, nasceu em Berlim, mais conhecido pelas suas contribuições a geologia, climatologia e oceanografia. Ainda jovem Humboldt foi apresentado a um grupo de intelectuais (entre os quais Moses Mendelssohn) pelo seu tutor. Em 1879 ele foi para a Universidade de Gottingen, aonde estudou arqueologia, física e filosofia. O seu interesse por botânica e explorações foi intensificado ao conhecer Georg Forster, que acabará de voltar de uma viagem ao redor do mundo com o famoso Capitão James Cook. Após um ano Humboldt largou Gottingen para estudar geologia com A.G. Werner na escola de minas de Freiburg e depois veio a se tornar inspetor de minas do governo da Prússia. Uma farta herança de sua mãe o permitiu se dedicar aos seus interesses por exploração científica.

Em 1799, Humboldt explorou durante 5 anos a América Latina, visitando países como Equador, Colômbia, Venezuela, México e Peru, além de parte da bacia amazônica. Durante esta viagem ele coletou muitos dados sobre clima, fauna, flora, astronomia, geologia e sobre o campo magnético da Terra. Durante sua estada no Peru fez precisas medições sobre uma corrente fria descoberta por ele que veio a ser chamada pelo seu nome e hoje é mais conhecida como Corrente do Peru. Após uma breve estada nos Estados Unidos da América foi morar em Paris aonde ficou até 1827, período durante qual escreveu uma obra de 23 volumes com as descobertas feitas na viagem. Em 1827 viajou para Berlim e foi nomeado assessor do rei da Prússia. Em 1829 por convite do Czar russo Nicolau I viajou aos Montes Urais e Sibéria para fazer estudos geológicos e fisiográficos.

O resto de sua vida foi dedicada a escrever sua principal obra intitulada 'Kosmos' na tentativa abrangente de descrever o universo como um todo e mostrar que tudo era interrelacionado. Humboldt foi o primeiro a mapear pontos isotérmicos (linhas conectando pontos geográficos de mesma temperatura) e impulsionando assim o estudo da climatologia.



(também Carl Ritter)

Geógrafo alemão, conhecido como fundador da moderna ciência da geografia. Ritter mostrou ao mundo o princípio da relação entre a superfície da Terra e a natureza e os seres humanos, era defensor constante do uso de todas as ciências para o estudo da geografia. Foi professor de geografia na Universidade de Berlin de 1820 até sua morte; seu mais importante trabalho, 'Die Erdkunde' (Ciência da Terra, 19 volumes, 1817-1859), enfatizava a influência de fenômenos físicos na atividade humana.


RATZEL, FRIEDRICH

Geógrafo e etnólogo alemão fundador da geografia política moderna (ou geopolítica), o estudo da influência do ambiente na política de uma nação ou sociedade. Dele originou-se o conceito de 'espaço vivo' (Lebensraum), que se preocupa com a relação de grupos humanos com os espaços do seu ambiente. Ele lecionou na Univesidade de Munique entre 1875 e 1886, e desta data até sua morte foi professor de geografia da Universidade de Leipzig. Seu conceito de 'espaço vivo' foi depois usado pelo Partido Nacional Socialista (Nazista) para justificar a expansão germânica e a anexação de territórios que precedeu a segunda guerra mundial.





Fonte: Enciclopédia Geográfica-ATR - CD ROM